
Uma nova espécie de cobra-papagaio permaneceu quase nove anos numa coleção científica brasileira sem ser identificada. Ela lembrava muito uma espécie semelhante, com tons brilhantes de verde e amarelo. Mas um detalhe a diferenciava: uma listra preta chamativa no focinho, como se fosse um bigode.
Quando cientistas a analisaram mais detidamente, suspeitaram que ela tinha ainda mais diferenças. “Inicialmente, pensamos que era uma espécie conhecida”, conta o biólogo Diego Santana, pós-graduando da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e coautor de um estudo recente sobre a serpente. “Mas quando examinamos seu DNA e sua morfologia, percebemos que era uma espécie nova.”
Batizada de Leptophis mystacinus, do grego mystax, que significa “bigode”, a cobra foi reconhecida como uma nova espécie em janeiro de 2025. Atingindo até 86 centímetros de comprimento, é uma serpente arbórea e não venenosa, que se alimenta de pequenos lagartos e aves entre os galhos das árvores.
Pesquisadores suspeitam que a espécie seja endêmica do Cerrado, savana tropical que, embora seu tamanho esteja sendo reduzido por conta da destruição, continua um dos biomas mais biodiversos da Terra.
Pode estar ameaçada
Ao contrário do que ocorre na floresta Amazônica, a legislação ambiental que protege o Cerrado não é tão dura e mais da metade da vegetação nativa do bioma foi devastada para dar lugar ao plantio de soja e à criação de gado. “A serpente depende de formações florestais específicas que já são raras e, com a rápida devastação do bioma, é provável que ela esteja sob algum nível de ameaça”, diz Diego, esclarecendo que ainda não há estimativas sobre o tamanho da população de cobras-papagaio.
Predadoras de pequenos vertebrados, as serpentes ajudam a manter o equilíbrio ambiental. Sem elas, as populações de pragas podem aumentar, impactando negativamente a agricultura e os ecossistemas nativos. “O papel delas no controle dessas populações é crucial, absolutamente crucial”, acrescenta Diego. “E predadores como elas costumam ser os primeiros impactados quando os ecossistemas são destruídos.”
Mercedes Bustamante, bióloga especialista em Cerrado da Universidade de Brasília, destaca que o bioma faz fronteira com outros três biomas: a Amazônia, o Pantanal e a Mata Atlântica. As zonas de transição entre esses biomas servem de hábitat para uma biodiversidade singular e abundante, que inclui espécies endêmicas. “Precisamos investigar as áreas ainda pouco pesquisadas do Cerrado e desacelerar o desmatamento ou então perderemos espécies antes mesmo de conhecê-las”, diz ela.
Novas espécies
Todo ano, novas espécies são documentadas no Cerrado. Em 2024, pesquisadores identificaram uma nova árvore de flores brancas que cresce até 11 metros de altura. Duas novas espécies de sempre-vivas, símbolos do bioma, também foram encontradas e já foram classificadas como ameaçadas.
“Definir uma nova espécie é fundamental para montar o quebra-cabeça da biodiversidade”, diz Diego.
Cada nova espécie que descrevemos nos ajuda da entender melhor a evolução do bioma e a ecologia de suas comunidades.”
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