A Pithecopus gonzagai, popularmente conhecida como rã-macaco, é uma espécie comumente encontrada em áreas de brejo no Nordeste do Brasil. De beleza incomum, esta rã chama atenção por sua cor verde e listras laranjas e pretas nas laterais de seu corpo. Seu comportamento também desperta curiosidade: ela não possui o hábito de saltar. Ao invés disso, costuma escalar e caminhar vagarosamente por entre as folhas e galhos, se esticando como um macaco. Daí o nome popular pelo qual é conhecida.
A espécie nordestina foi descrita pela Ciência em 2020, quando estudos liderados por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com cientistas das universidades federais do Paraná (UFPR) e de Uberlândia (UFU), descobriram que a rã-macaco (Pithecopus gonzagai) que ocorre ao norte do rio São Francisco, apesar de muito semelhante, é diferente da rã-macaco (Pithecopus nordestinus), que ocorre ao sul do rio.
A descoberta dessa espécie distinta mostra como o rio São Francisco pode agir como uma barreira biogeográfica entre as populações de suas margens norte e sul e assim dar origem a novas espécies.
Como resultado de uma expedição por 27 localidades do Nordeste e análises minuciosas em laboratório, com estudos bioacústicos, morfológicos e genéticos, foi observado que a Pithecopus gonzagai se diferencia da Pithecopus nordestinus e de outras do mesmo gênero por possuir tamanho menor, menor largura da cabeça e ausência de um padrão reticulado de coloração nos flancos. Ela também tem uma menor distância do olho até a narina.
O doutor em biologia animal pela Unicamp e primeiro autor da pesquisa, Felipe Andrade, explica que essas duas espécies irmãs são exemplos clássicos de espécies crípticas, termo usado por cientistas para espécies semelhantes morfologicamente, ou seja, quando as diferenças físicas externas são imperceptíveis ao olho nu, mas quando são analisadas do ponto de vista genético e suas características biocústicas é possível encontrar diferenças marcantes entre elas.
É exatamente o caso dessas duas espécies: morfologicamente são muito semelhantes, possuem a bioacústica também parecida, mas quando a gente compara a fita de DNA entre as duas espécies, vemos que são espécies bastante distintas”, detalha o pesquisador.
O professor Daniel Pacheco Bruschi, do Programa de Pós-graduação em Genética da UFPR, que colaborou com a pesquisa, considera o rio São Francisco como a principal barreira de isolamento entre as populações, levando em consideração análises no tempo e no espaço, relacionando-os às mudanças históricas no curso do rio. O processo é chamado de evento vicariante – quando uma barreira física separa as populações antes conectadas.
O pesquisador Felipe Andrade explica que o rio sofreu mudanças ao longo de sua existência e essa mudança foi fundamental para a evolução dessa segunda espécie. “Inclusive também avaliamos como foi feita a transposição do rio São Francisco e prevemos que essa alteração deverá também influenciar no futuro de ambas as espécies crípticas”.
De acordo com a pesquisa realizada, há duas previsões: a transposição pode diminuir a eficácia do rio em atuar como uma barreira geográfica e pode criar novas barreiras artificiais em outros lugares.
Homenagem ao Rei do Baião
O nome científico da espécie que ocorre em 22 municípios nordestinos ao norte do rio São Francisco é uma homenagem a Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, que tão bem cantou o Velho Chico em suas canções.
Resolvemos homenagear Luiz Gonzaga e a ideia surgiu porque a espécie ocorre em Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. É uma espécie que está aí no nordeste brasileiro e pensamos em unir a Ciência e a arte. Pensamos em uma personalidade, alguém que representasse bem o Nordeste e optamos pelo nome de Luiz Gonzaga”, destacou Felipe Andrade.
Daniel Gonzaga, neto do Rei do Baião, fez até uma música em homenagem à rã que carrega o nome de seu avô, colaborando com a divulgação científica da espécie. O resultado foi um videoclipe da banda Papo de Sapo, responsável por apresentar a poesia do baião unida à Ciência.