Após quatro anos do início do derramamento de petróleo cru no litoral brasileiro, um recente estudo do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), aponta uma série de impactos em espécies da fauna marinha já percebidos como consequência de um dos maiores crimes ambientais em mares tropicais.
A pesquisa, publicada no periódico internacional Marine Environmental Research, revelou problemas como a ingestão de óleo, alterações nas proporções de sexo e tamanho, anormalidades em larvas e ovos, alterações comportamentais e aumento de mortalidade. Além disso, as consequências do desastre também ainda são sentidas pelas populações litorâneas. O estudo buscou detectar esses danos e apontar quais dados ainda são deficientes sobre o ocorrido nas áreas ambiental e científica.
Um dos dados apontados pelo estudo foi a extensão das áreas atingidas de cada ecossistema. Segundo a pesquisa, dez diferentes ecossistemas foram prejudicados pelo óleo, sendo os principais:
- Estuários (4.929,74 km² de área atingida)
- Florestas de mangue (489,83 km²)
- Prados de ervas marinhas (324,77 km²)
- Praias (185,30 km²)
- Planícies de maré (63,64 km²)
- Corais de águas profundas (45,95 km²)
- Corais de águas rasas (9,69 km²)
De acordo com o estudo, os recifes de corais estão entre os ecossistemas com menor extensão de áreas atingidas pelo óleo, contudo, foram os ambientes mais estudados e, por isso, são regiões onde foram detectados mais impactos.
“Os recifes tiveram a menor área impactada, diferente dos estuários e manguezais, que tiveram mais quilômetros atingidos. Contudo, foram os ambientes mais estudados devido a sua relevância como o ecossistema marinho mais diverso e, por isso, onde foram detectados mais impactos. Isso pode se atribuir ao acesso mais fácil dos pesquisadores a esses ambientes”, explica o professor Marcelo Soares, do Labomar, um dos autores do artigo. Ele assina a publicação com a professora Emanuelle Fontenele Rabelo, pesquisadora na Ufersa.
O pesquisador também destaca que “por lógica, a gente imagina que quanto menos óleo recebeu, menos impacto há naquela área, só que o resultado é diferente disso. Depende muito do ambiente. As praias receberam mais óleo que os recifes, mas são constantemente lavadas pelas marés, ondas e correntes, assim como também foi mais fácil fazer a retirada desse óleo na areia da praia, com relação aos recifes”.
Alterações na fauna causadas pelo petróleo
A pesquisa também revelou dados mais minuciosos sobre o estado das espécies: alterações mutagênicas e morfológicas de espécies, contaminação por metais e hidrocarbonetos tóxicos, mudanças nas taxas de sobrevivência, diminuição na riqueza geral das espécies e aumento oportunista de organismos mais tolerantes a óleos.
Os dados também alertam para regiões prejudicadas que abrigam pelo menos 35 espécies ameaçadas de extinção, dentre eles elasmobrânquios (subclasse que inclui tubarões e raias), peixes, invertebrados, aves migratórios, tartarugas marinhas e mamíferos marinhos.
Esse impacto do óleo soma-se a outros impactos que essas espécies estão sofrendo, como caça, pesca e destruição de habitat. Ainda não temos dados para estimar se houve redução da população dessas espécies”, alerta o pesquisador.
O trabalho dos pesquisadores também concluiu que a maior parte dos estudos que se dedicam especificamente sobre as espécies atingidas tiveram grande foco nos chamados organismos bentônicos, que vivem em associação com o fundo do ambiente aquático, de onde tiram seus recursos de alimentação.
“Quando o óleo chega a uma região, esses organismos bentônicos são os primeiros a sofrerem danos ecológicos. Assim, nosso estudo mostra efeito em diferentes organismos e diferentes ecossistemas, o que demonstra o impacto significativo desse crime ambiental contra o litoral brasileiro”, ressalta Marcelo Soares, ao explicar que observar esses organismos é importante porque eles costumam servir como bons indicadores de impactos ambientais.
Lacunas de informações
Embora já exista uma quantidade significativa de pesquisas que investigam o derramamento do petróleo cru e seus impactos, ainda há muitas perguntas sem respostas, principalmente quando se pensa em consequências que ainda serão observadas em longo prazo, já que é um desastre que ocorreu há um tempo considerado recente.
“Faltam estudos de médio e longo prazo, de 5 a 10 anos, para ver se as populações de animais se recuperaram. Além disso, outros ambientes precisam ser estudados, como recifes mais profundos e bancos de algas calcáreas, para se entender melhor os impactos. Estudos de contaminação nas cadeias alimentares também são necessários, bem como sua relação com a saúde humana”, lista o professor Marcelo Soares.