Iago Mattos
Reportagem
Jornalista formada pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), com atuação nas áreas de podcast, telejornalismo e sites. Natural de Pelotas (RS).
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A publicação da Portaria Interministerial MPA/MMA nº 30/2025, que regulamenta a pesca do tubarão-azul (Prionace glauca), reacendeu críticas de ambientalistas e organizações da sociedade civil. A norma, elaborada pelos ministérios da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente (MMA), define uma cota de captura anual de 3.481 toneladas do animal, com exigências de monitoramento e processamento com selo sanitário federal. Enquanto o governo defende a medida como um passo rumo à pesca sustentável, ambientalistas alertam para riscos à biodiversidade, à saúde pública e à credibilidade internacional do país.
Segundo o MPA, o objetivo da portaria é controlar a única espécie de tubarão cuja pesca comercial é permitida no país, garantindo o uso sustentável. A diretora de Ordenamento da Pesca do órgão, Sandra Silvestre, afirmou que a regulamentação foi construída “de forma participativa”, com diálogo envolvendo pesquisadores, pescadores e organizações sociais.
“O controle da pesca é necessário para evitar a sobrepesca e proteger os estoques da espécie”, declarou o diretor de Pesquisa e Estatística do MPA, Alex Souza Lira. Ele destacou que, sem um limite definido, a pesca do tubarão-azul poderia ultrapassar os limites biológicos seguros.
No entanto, a organização Sea Shepherd Brasil criticou duramente a portaria, classificando-a como “um retrocesso disfarçado de avanço”. Em nota, a entidade afirma que a norma ignora o princípio da precaução e foi publicada antes da finalização do Parecer de Extração Não Prejudicial (NDF), documento exigido pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (Cites) para autorizar exportações.
Com 37% das espécies de tubarões ameaçadas no país e o tubarão-azul classificado como “vulnerável” no Atlântico Sul, permitir sua captura comercial em 2025 é abrir caminho para sua extinção”, diz o comunicado da Sea Shepherd.
A Sea Shepherd Brasil também critica a baixa exigência de fiscalização prevista na portaria: apenas 5% das embarcações serão acompanhadas por observadores de bordo. “Sem controle real, essa medida servirá apenas para legalizar a exploração e facilitar a subnotificação das capturas”, alerta a organização.
Além disso, a portaria pode ferir acordos internacionais. Sem o parecer da Cites, a exportação da carne e das barbatanas do tubarão-azul fica juridicamente comprometida. Para os críticos, isso coloca o país em posição de fragilidade no cenário global de conservação marinha.
Entre os principais pontos de preocupação está o uso do estropo de aço nas linhas de espinhel, equipamento muito usado para a captura de atum, por exemplo, e que dificulta que os tubarões se libertem dos anzóis. Embora a nova norma restrinja seu uso por dois meses ao ano, a Sea Shepherd considera a medida ineficaz. “É um teatro regulatório: parece rigoroso, mas é ineficaz”, pontua a entidade.
O ambientalista e diretor do Instituto Brasileiro de Conservação da Natureza (Ibracon) José Truda Palazzo Júnior, também critica a prática. “Esse implemento impede que os tubarões se libertem do anzol; isso faz com que a pesca do atum seja na verdade uma pesca de tubarões mal disfarçada”, afirma. Para ele, a proteção efetiva desses animais exige coragem política. “Nossa ‘Amazônia Azul’ está sendo destruída do mesmo jeito que a Amazônia verde, e isso precisa parar.”
Outro alerta diz respeito à segurança alimentar. A carne de tubarão, comumente comercializada como “cação”, apresenta altos níveis de contaminantes, como metais pesados e pesticidas. “É um dos alimentos menos saudáveis que existe e pode fazer mal principalmente a crianças. Os municípios que compram essa carne para a merenda escolar deveriam parar imediatamente”, afirma José Truda.
O governo, por sua vez, defende o consumo. A coordenadora-geral do MPA, Adayse Bossolani da Guarda, argumenta que o tubarão-azul é “um peixe bastante consumido no sul do país, sem espinhas, e que faz parte da tradição alimentar de muitas regiões”. Ela também reiterou que o finning, prática de remoção das barbatanas, está proibido no Brasil desde 1998, e que a carne do animal é aproveitada integralmente.
Segundo José Truda, nenhum dos grandes tubarões comerciais no Brasil tem capacidade biológica para suportar a pesca. “Pela sua biologia reprodutiva, nem deveriam ser considerados como peixes: têm maturidade sexual tardia e produzem poucos filhotes. Estão mais perto dos mamíferos nesse sentido”, explica. Para ele, os tubarões valem mais vivos do que mortos, seja pela manutenção do equilíbrio marinho, seja pelo potencial de ecoturismo e mergulho, ainda inexplorado no Brasil.
José Truda também defende a criação de mais unidades de conservação de proteção integral, como parques, refúgios da vida silvestre, reservas biológicas e estações ecológicas, especialmente em áreas como a região do Albardão (RS), na divisa com o Uruguai, reconhecida como zona de reprodução de tubarões.
Falta vontade política para enfrentar o lobby poderoso da máfia da sobrepesca, que minera os peixes do mar brasileiro impunemente”, afirma.