O Arco do Desmatamento dá nome à região da Amazônia onde a destruição da floresta ocorre em ritmo acelerado, junto com a expansão da fronteira agropecuária. Essa zona de guerra contra a floresta se estende pelo limite sul do bioma e abriga uma rica e ainda pouco estudada biodiversidade. Há 52 espécies conhecidas de primatas endêmicos dessa região, o que significa que ocorrem apenas nessa zona, cada vez mais ameaçadas e encurraladas.
Ou seja, se desmatarem tudo, já era para essas espécies”, alerta o pesquisador Rodrigo Costa-Araújo, que liderou um levantamento da ocorrência de primatas ao longo do Arco do Desmatamento.
O trabalho do primatólogo do German Primate Center (Centro de Primatas da Alemanha) começou no seu doutorado, ainda em 2014, focado nas espécies de saguis da Amazônia. Das 18 espécies de saguis que se conhecem hoje no bioma, apenas duas não vivem no Arco do Desmatamento.
A pesquisa com os primatas nessa região fez com que ele fosse testemunha da redução e da fragmentação do lar dos macacos amazônicos, ao mesmo tempo em que presenciava o encontro de novas espécies, como o sagui-dos-Munduruku (Mico munduruku), o sagui-de-Schneider (Mico schneideri) e o zogue-zogue-de-mato-grosso (Plecturocebus grovesi), esse último considerado um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo justamente por seu lar cada vez menor frente ao desmatamento.
Faltam informações sobre primatas da Amazônia
Rodrigo destaca que ainda se sabe muito pouco sobre as espécies de primatas da Amazônia. Seja pela dificuldade de acesso, pelo custo ou pelo risco de ir a campo em áreas marcadas por conflitos com madeireiros, garimpeiros e grileiros. “Quem está destruindo a floresta tem muito dinheiro e poder. Eles chegam em áreas que nós pesquisadores não conseguimos chegar. O que chega primeiro é a invasão, o garimpo, o desmatamento ilegal. Eles chegam nesses lugares muito mais rápido que a Ciência, a educação e o Estado. E nós vemos as espécies sendo ilhadas em fragmentos na Amazônia”, alerta.
Para lançar luz sobre os primatas do Arco do Desmatamento, Rodrigo compilou os dados de 10 expedições e mais de 200 dias de trabalho de campo que ele realizou na região. Os dados incluem 56 locais diferentes nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Amazonas e Pará, entre 2015 e 2018. Os destinos incluíram unidades de conservação, terras indígenas, propriedades particulares e terras da União.
Em artigo publicado no final de janeiro, no periódico científico Primate Biology, Rodrigo e outros quinze pesquisadores compartilham os novos registros de primatas feitos durante essas expedições.
Ao todo, foram 192 novos registros de 22 espécies e subespécies, representantes de 11 gêneros distintos. A pesquisa ajuda a conhecer melhor as áreas de distribuição de seis espécies de primatas amazônicos e mapear potenciais zonas de hibridização entre espécies do mesmo gênero.
“Esse artigo com essa base de dados de distribuição dos primatas é justamente para cobrir essa lacuna de informação sobre a ocorrência das espécies. Os primatas da Amazônia, em geral, são muito pouco estudados”, aponta Rodrigo. Essa falta de informação, explica o primatólogo, prejudica a avaliação do risco de extinção dessas espécies e dimensionar as ameaças que elas enfrentam.
De acordo com ele, em Mato Grosso e no Pará – estados que historicamente lideram as estatísticas de desmatamento –, por exemplo, já é possível perceber a drástica redução populacional de algumas espécies. “Temos poucos trabalhos com primatas na Amazônia, então ainda não temos informações robustas sobre as espécies e as extinções locais. Mas principalmente as de grande porte, como o macaco-aranha e o guariba, estão em vias de extinção local porque estão desmatando para criar gado e plantar soja”, denuncia.
As informações levantadas alimentam o Plano de Ação Nacional (PAN) dos Primatas Amazônicos, que chega ao final do seu 1º ciclo (2017-2023), política pública que fomenta ações estratégicas para a conservação de 15 espécies de macacos ameaçadas no bioma.
Os dados de distribuição ajudam a entender, por exemplo, quais espécies estão pelo menos virtualmente protegidas em unidades de conservação e terras indígenas e ainda quais são as áreas desprotegidas que devem ser priorizadas para estabelecimento de novas unidades ou outros esforços de conservação.
Em paralelo, ainda é necessário ampliar as pesquisas, especialmente em áreas pouco ou nunca exploradas, com mais idas a campo, mais registros e coletas que permitam aprofundar estudos taxonômicos, de distribuição, de dinâmicas populacionais e da história evolutiva dos primatas do Arco do Desmatamento.
Primate watching: observação de primatas
Além do conhecimento, o projeto pessoal de Rodrigo é transformar os saguis da Amazônia em bandeiras para conservação da biodiversidade e dos territórios de povos tradicionais. Para isso, o primatólogo aposta no primate watching, ou seja, a observação de primatas como atividade turística, tal qual a observação de aves.
Nós estamos propondo que o Arco do Desmatamento seja um modelo para geração de renda através do primate watching”, completa o pesquisador.
“O objetivo a longo prazo é trazer esse histórico que temos no Brasil, de sucesso na conservação da biodiversidade usando primatas como bandeira na Mata Atlântica, principalmente o mico-leão-dourado e o muriqui. Queremos fazer dos primatas da Amazônia uma bandeira para conservação das florestas no Arco do Desmatamento”, destaca Rodrigo.