Justiça Federal devolve macaco ilegal que foi apreendido amarrado no Ceará

“No entanto, no caso dos autos, tem-se que não se trata de um cativeiro ou de um criadouro ilegal de animais para fins comerciais, mas da criação, como animal de estimação, de um único macaco-prego, inexistindo nos autos de infração nº HL97KUWP e de apreensão nº LWLB2169 qualquer registro de maus-tratos, tanto que não há aplicação de sanção nesse sentido, inferindo-se que o animal é tratado com zelo pelos autores e que a aplicação das sanções de multa simples e de apreensão deveu-se exclusivamente pelo fato de não haver autorização da autoridade ambiental para a posse do animal.

Há de se considerar que os promoventes anexaram aos autos laudos psicológicos noticiando que eles passaram a apresentar quadro depressivo a partir da retirada do animal de estimação (macaco, o qual convivia harmonicamente na residência do casal há aproximadamente 12 (doze) anos.”

O texto é parte da decisão do juiz 18º Vara Federal, de Sobra (CE), Sérgio de Norões Milfont Júnior, que determinou em 20 de agosto a devolução de um macaco-prego para um casal que o criava ilegalmente. O animal foi apreendido por agentes do ICMBio em 16 de maio, que o localizaram amarrado em uma oficina. O caso chamou a atenção da imprensa local. Em matéria do jornal O Povo, de Fortaleza (CE), destacou-se que a “Decisão foi recebida com surpresa pelos órgãos ambientais e ignora a Lei de Crimes Ambientais”.

A decisão ainda veio como “medida de urgência”, com prazo de cinco dias para ser cumprida – o que já foi feito em 30 de agosto, com o macaco sendo retirado no Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama, em Fortaleza.

Não é de hoje que o Fauna News se posiciona contrariamente a esse tipo de decisão. Para ficar no Ceará, em 2021 comentamos sobre a decisão determinando a devolução de um papagaio a pessoas que o criavam ilegalmente (“Mais um papagaio é condenado a ser bicho de estimação”).

• Voltando ao caso do macaco, chama a atenção a argumentação do juiz, alegando que o animal não vivia em situação de cativeiro e convivia harmonicamente na residência do casal. Será que anexaram a fotografia acima no processo ou o magistrado a ignorou?

O juiz escreveu ter inferido que o animal era tratado com zelo. Pela foto, a dedução está errada.

• Independentemente de o macaco estar em cativeiro ou em um criadouro comercial ilegal, o que para o juiz aparentemente justifica a não apreensão do animal, a Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) não faz distinção sobre o tipo de ambiente ou tipo de criação para determinar o que é permitido ou não. O artigo 29 deixa claro ser preciso permissão, licença ou autorização de órgão competente em qualquer circunstância – que o casal não tinha.

“Artigo 29 – Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas:

(…) III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.”

• Esse argumento do magistrado também me faz inferir (usando o mesmo verbo da decisão judicial) que criar animal silvestre capturado na natureza, desde que com zelo, não é crime. Se for assim, uma parcela significativa de espécimes apreendidos pelos órgãos de fiscalização deveria ser devolvida aos infratores – que deixariam de ser infratores, lógico.
• Não é novidade que a sociedade e a legislação ambiental são estruturadas em um pensamento antropocêntrico. Isso fica escancarado quando o casal alega estar sofrendo de depressão pela ausência do animal – argumento aceito e destacado pelo magistrado na sua decisão. A imagem acima, do animal amarrado em um ambiente totalmente inadequado para um macaco, realmente não serviu para nada… Viver daquela forma é bom para o macaco? Alguém tentou verificar a saúde mental e comportamental do animal ou laudos só valem para humanos? Será que por prevenção (que inclusive é um princípio do Direito Ambiental), para garantir a saúde do macaco, essa questão não deveria ser levada em conta para negar o pedido do casal?
• O juiz também alegou, em um outro trecho de sua decisão, que macaco-prego (Sapajus libidinosus) não é uma espécie ameaçada de extinção, “de modo que a criação de um único espécime não acarretará prejuízo para a fauna, sobretudo diante da dificuldade de readaptação ao seu hábitat natural, tendo em vista o considerável tempo de convivência do animal com a família dos autores.” Tristes argumentos que desconsideram que ações pontuais, quando em grande quantidade, geram grandes impactos. O tráfico de fauna é assim: cada um compra um bichinho ilegal e, no conjunto, a biodiversidade brasileira sofre.

Tristes argumentos que desconsideram o bem-estar do animal e o trabalho que estava sendo feito para reabilitar e reintroduzir o macaco na natureza.

O Instituto Pró-Silvestre, que atua no Ceará com o Ibama na reabilitação de macacos apreendidos do tráfico de fauna e de situações de cativeiro doméstico ilegal, informou que o animal já estava convivendo com outros da sua espécie e respondendo bem ao trabalho com o objetivo de devolvê-lo à vida livre.

• Pior fica se lembrarmos que sanções legais envolvidas em casos de apreensões de animais silvestres criados ilegalmente como bichos de estimação têm caráter educativo para a sociedade. Lei não serve somente para punir, mas para indicar à coletividade o caminho correto a ser seguido. Mas isso foi ignorado.

Na verdade, a decisão segue por caminho oposto. Parte do Judiciário ainda precisa ser sensibilizado para o problema, assim como grande parte da sociedade.