Há 10 mil anos, uma preguiça-gigante caiu e ficou presa no Abismo Iguatemi, no Vale do Ribeira, e recentemente parte da sua ossada — em perfeito estado — foi catalogada por pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP). Esse e outros exemplares encontrados oferecem informações sobre a anatomia da espécie e sobre o meio ambiente do Pleistoceno (entre 2,5 milhões e 11 mil anos atrás).
Os restos fósseis da preguiça Catonyx cuvieri, da família Scelidotheriidae, foram encontrados em 1999 na primeira expedição ao Abismo Iguatemi, localizado na região sul do estado de São Paulo. O úmero completo (braço), um rádio (parte do antebraço) e uma falange intermédia (osso do dedo) do animal estavam no acervo do Laboratório de Paleontologia Sistemática do Instituto de Geociências (IGc) da USP.
Esses materiais foram estudados durante os últimos anos pelos pesquisadores do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) do IB, coordenado pela professora Mercedes Okumura, e catalogados em artigo publicado recentemente. Esse indivíduo Catonyx era um jovem adulto, sem doenças evidentes. De acordo com as medidas dos ossos, era um animal robusto, um dos representantes da megafauna brasileira.
A espécie Catonyx cuvieri deixou vestígios em uma área biogeográfica restrita à região oriental da América do Sul, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil e Uruguai, e provavelmente conviveu com seres humanos. Essas preguiças terrestres, por serem animais grandes, viviam em ambientes típicos de Cerrado em transição com florestas densas, chamados de ecótonos.
Há hipóteses de que nos últimos 14 mil anos já haveria floresta na região, porém se ela estivesse consolidada dificilmente esses animais a habitavam. O que dá a entender que o bioma estaria em fase transicional de floresta com o Cerrado, favorecendo a entrada desses animais maiores, que se alimentam de vegetações típicas do Cerrado”, explica Artur Chahud, pesquisador do LEEH e autor do artigo.
Segundo os pesquisadores, a análise de materiais fósseis é sempre desafiadora: nem sempre os ossos estão íntegros, muitas vezes estão quebrados ou com incrustações. “Ficamos horas e horas analisando o material, pensando ‘isso é do osso mesmo ou será que aconteceu alguma coisa no ambiente que danificou esse material?’”, diz Gabriella Pereira, estudante de graduação do IB e uma das autoras do artigo. “É assim mesmo, é um trabalho de comparação.”