Por Fabio Pontes
Amazônia Real
contato@faunanews.com.br
O pior abril dos últimos dez anos para a floresta amazônica prova que o presidente Jair Bolsonaro mentia ao mundo, na Cúpula do Clima, afirmando que seu governo se empenhava em combater o desmatamento. No mês passado, a Amazônia teve 778 quilômetros quadrados de matas devastadas pelas motosserras. Em março, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) indicava que o corte florestal já tinha alcançado outro patamar recorde: 810 quilômetros quadrados.
Os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), divulgados na segunda-feira pelo Imazon, indicam que, na comparação com abril de 2020, houve acréscimo de 45% na área total desmatada. Mais do que números, o que preocupa é que o avanço da destruição florestal se dá em áreas fora do chamado “arco do desmatamento”. Significa que, na prática e no conhecimento dos especialistas, o desmate está muito mais relacionado com a grilagem de terras.
“Este desmatamento está acontecendo em regiões do oeste do Pará, no sudeste do Amazonas e em regiões que antigamente tinham um desmatamento muito pequeno”, explica o pesquisador e cofundador do Imazon, Beto Veríssimo. O arco do desmatamento ainda continua a registrar considerável nível de impacto, mas agora o desmate se desloca como “flechas” para a região mais central da Amazônia.
Ao concretizar o projeto de repavimentação da BR-319 entre Manaus e Porto Velho, por exemplo, a tendência é da parte central da região ser ainda mais impactada pelo desmatamento.
Conforme o boletim do Imazon, 68% do desmatamento ocorrido na Amazônia em abril de 2021 foram em áreas particulares “ou sob diversos estágios de posse”, incluindo terras públicas não destinadas, as mais visadas pelos grileiros. “São vários focos de desmatamento. Estão abrindo várias frentes ao mesmo tempo. E acontecendo muito em áreas públicas, sejam elas em unidades de conservação ou florestas devolutas. É uma aposta na grilagem, achando que haverá uma anistia e que será legalizado”, diz Veríssimo.
Um desmatamento que se espalha no território amazônico é desejo declarado de Bolsonaro, do ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, e de vários políticos da região. A tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas que regularizam a grilagem de terras públicas é o sinal verde para novas invasões, o que significa mais áreas de floresta destruídas.
Está em curso, desde a ascensão de Bolsonaro (sem partido) à Presidência da República, uma desestruturação da política de proteção ambiental no país. O ambientalista Paulo Henrique Bonavigo lembra o episódio de 2019 quando políticos de Rondônia foram se queixar ao presidente que agentes do Ibama e ICMbio haviam queimado caminhões e tratores que retiravam madeira de dentro de uma unidade de conservação em Rondônia.
“O ministro do Meio Ambiente veio ao Estado, foi até o local do fato num helicóptero do Ibama para se reunir com os madeireiros, e não com a equipe dele”, lembra Bonavigo, que é presidente da Ação Ecológica Guaporé (Ecoporé), de Porto Velho (RO).
Na ocasião, o próprio Bolsonaro gravou um vídeo ao lado do senador Marcos Rogério (DEM-RO), desautorizando fiscais do Ibama a destruírem equipamentos apreendidos em operações em locais de difícil acesso, norma essa prevista em decreto de 2008.
Para Beto Veríssimo, do Imazon, não basta apenas aumentar a repressão no combate aos crimes ambientais, mas acabar com qualquer perspectiva de que a invasão de terras públicas será legitimada pela aprovação de projetos de lei. “Se o governo resolver endurecer de fato a fiscalização e remover qualquer perspectiva de regularização, tira o oxigênio de qualquer movimento. O que move [a grilagem] é a sensação de que serão anistiados e legalizados”, ressalta.
O PL da grilagem
Na última sexta-feira (14), Bolsonaro afirmou aos seus apoiadores que nos próximos dias o Congresso aprovará o Projeto de Lei 510/21, que, na prática, regulariza a invasão de terras devolutas no país – o que levou a ser chamado de “PL da grilagem”. O projeto seria votado no fim de abril pelo Senado, mas foi retirado de pauta após pressão da opinião pública e da repercussão internacional que sua aprovação poderia provocar, dias após a realização da Cúpula do Clima, reunião convocada para 22 de abril pelo presidente norte-americano, Joe Biden.
Para Bonavigo, o desmonte dos órgãos ambientais pelo governo Bolsonaro age como um dos principais indutores do desmatamento. Essa desestruturação, ressalta ele, resulta no fim das operações de combate a ilícitos e na redução nos autos de infração, mais a possibilidade de os valores das multas aplicadas não serem pagos.
“A tendência do desmatamento na Amazônia é piorar. Temos a redução das fiscalizações, uma queda brusca nos autos de infrações, portarias que dificultam o trabalho de agentes e analistas em campo”, afirma Bonavigo.
A realidade de um desmatamento recorde em abril já havia sido detectada na semana passada, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou os dados considerados oficiais do governo federal para o desmatamento. Pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), foram emitidos avisos de desmatamento para uma área de 579,64 quilômetros quadrados. No comparativo com abril de 2020, o aumento também foi superior a 40%, sendo o pior abril em seis anos na série do Deter.
Segundo o Inpe, no primeiro quadrimestre de 2021, a Amazônia registrou 1.149,94 quilômetros quadrados de desmatamento. Houve uma tímida redução de 200 quilômetros quadrados na comparação de janeiro a abril de 2020. Mas os especialistas reforçam que os números elevados de desmatamento ocorreram neste ano, que está sendo marcado por chuvas mais intensas.
A tendência, assim, é que o desmatamento aumente no período de estiagem na porção sul da Amazônia a partir de junho, quando historicamente crescem o desmatamento e as queimadas.
Amazonas lidera desmatamento
Pelos dados do Imazon, o Amazonas foi o Estado da Amazônia Legal que mais desmatou no mês de abril: 217 quilômetros quadrados, aumento de 126% ante o mesmo mês de 2020. Em março, o SAD detectou 99 quilômetros quadrados de mata derrubada. Esse desmatamento continua concentrado nas partes sul e sudeste do maior Estado da região. Os municípios de Lábrea e Apuí são os campeões em floresta desmatada não só dentro do Amazonas, mas também em toda a região amazônica, superando até Novo Progresso, no Pará, que costumava liderar o ranking do desmatamento.
O sul amazonense é hoje a região mais impactada pelo avanço do desmatamento e das queimadas nos últimos anos. Vastas áreas de terras públicas são invadidas por madeireiros e grileiros, que se aproveitam da completa ausência do poder público.
Após a retirada das madeiras de valor comercial, toda a floresta é devastada, transformada em pasto para o boi usado como instrumento para legalizar a posse da terra.
Entre os meses de agosto de 2019 e abril de 2020, o Amazonas desmatou 527 quilômetros quadrados. Já entre agosto de 2020 a abril último o impacto foi numa área ainda maior: 933 quilômetros quadrados. No acumulado do ano, segundo o Inpe, o Amazonas destruiu 264 quilômetros quadrados. O pico ocorreu no dia 23 de abril, um dia após a Cúpula do Clima, quando o sistema Deter emitiu alertas para uma área de 80 quilômetros quadrados. Apuí, Lábrea e Novo Aripuanã foram os três municípios que mais desmataram no Estado entre janeiro e em abril.
De acordo com Beto Veríssimo, do Imazon, o avanço do desmatamento no sul do Amazonas não é um fato novo. Pelo menos desde 2016 os municípios na divisa com Pará, Rondônia e Acre chamam a atenção pela elevada taxa de desmatamento. Segundo o pesquisador, essa é a área onde o desmatamento está na situação mais crítica.
“Tem muito desmatamento em áreas de conservação e florestas públicas não destinadas. É claramente de caráter especulativo, de grilagem. Isso a gente pode atribuir porque não tem título de propriedade que justifique, não tem como expandir a agropecuária”, afirma Veríssimo.
Devastação no Pará
Em segundo lugar no ranking da devastação elaborado pelo Imazon está o Pará, com 204 quilômetros quadrados, cuja elevação foi de 19%. No quadrimestre, o Pará contabiliza uma área de 440 quilômetros quadrados de alerta de desmatamento emitidos pelo Inpe. Altamira, São Félix do Xingu e Novo Progresso ocupam as três primeiras posições.
No mês passado, Mato Grosso derrubou 171 quilômetros quadrados do bioma Amazônia dentro de seu território, formado também pelo pantanal e o cerrado. O vizinho estado de Rondônia vem na sequência, respondendo por 16% do total de floresta derrubada em abril, com 127 quilômetros quadrados. Em março, Rondônia já tinha perdido outros 92 quilômetros quadrados. Em abril, a capital Porto Velho foi o quarto município da Amazônia Legal que mais devastou: 46 quilômetros quadrados, conforme o Imazon.
Ainda de acordo com o último SAD, a Reserva Extrativista Jacy-Paraná foi a terceira unidade de conservação mais desmatada na região, tendo suprimido mais seis quilômetros quadrados de cobertura original. Alvo da ação de invasores nas duas últimas décadas, a Jacy-Paraná perdeu 160 mil hectares de seu tamanho original com a aprovação, em 20 de abril, do PLC 80/2020 pela Assembleia Legislativa de Rondônia.
Entre os Estados que menos contribuíram para o desmatamento no mês passado estão Acre (1%), Maranhão (2%) e Roraima (5%). No SAD, do Imazon, não há dados sobre o Amapá e Tocantins. De acordo com a equipe técnica do estudo, os pontos de desmatamento em ambos os Estados ficaram abaixo de 1%.
E as queimadas nem começaram
Segundo o Inpe, o total de floresta devastada em 2020 foi de 11 mil quilômetros quadrados; a maior quantidade de área destruída desde 2008. Em 2019, primeiro ano de Bolsonaro na Presidência, o desmate foi de 10,1 mil quilômetros quadrados, ante os 7,5 mil quilômetros quadrados de 2018. Além de ter sua cobertura florestal cortada, a Amazônia também passou a ser bastante afetada pelo fogo.
Dados do Programa Queimadas, desenvolvido pelo Inpe, apontam que ano passado o bioma Amazônia registrou 103.161 focos de calor. Em 2019 foram 89.176. Em 2018, no governo de Michel Temer, a região teve 68.345 focos de queimadas.
De 1º de janeiro até 17 de maio, o bioma Amazônia registrou 3.334 focos de queimada; 34% a menos do que igual intervalo de 2020. Mato Grosso, Pará e Roraima lideram o ranking do fogo neste período. Um inverno amazônico mais rigoroso e prolongado, com mais chuvas, explica a menor quantidade de fogo. A tendência é de o número crescer a partir de junho, quando o período de dias secos e temperaturas altas se intensificam, indo até o fim de setembro. Agosto é considerado o mês mais crítico para as queimadas.
Para Marquinho Mota, coordenador do Fórum da Amazônia Oriental, entidade sediada em Belém, os dados do Imazon não são surpresa diante da ofensiva bolsonarista de transformar a região na fronteira do agronegócio e da mineração. “A proposta do Bolsonaro e do Ricardo Salles é passar a boiada. Isso não é surpresa quando você tem um governo declaradamente antiambiental”, afirma. “É assustador? É, mas não é surpresa porque a proposta é transformar a Amazônia num grande mercadão do agronegócio.”