Por Jenny Gonzales
Tradução: Eloise de Vylder
Agência Mongabay
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Menos de uma década desde que ações de conservação ajudaram a tirar a arara-azul da lista de espécies ameaçadas do Brasil, a icônica ave de cor azul-cobalto está de volta ao vermelho, em consequência da perda de habitat e das mudanças climáticas.
O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave) atualizou a categoria da ave, antes considerada vulnerável, no fim de abril, a partir de uma avaliação realizada com especialistas de fora sobre o risco de extinção da espécie com base nos critérios da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
A arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) continua na categoria de vulnerável da Lista Vermelha da UICN, que avalia a situação de conservação da espécie nos lugares em que está presente no mundo, que incluem a Bolívia e o Paraguai.
A mudança para a categoria de espécie ameaçada no Brasil ainda não é oficial. O Cemave precisa enviar suas descobertas para a Comissão Nacional de Biodiversidade, responsável por analisar e aprovar a inserção da arara-azul na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas. Não há prazo, contudo, para que essas etapas sejam concluídas. A última edição da lista foi publicada em 7 de junho, e inclui espécies que foram avaliadas entre 2015 e maio de 2021.
“Naquele ano, os dados mostraram que os esforços de conservação, realizados especialmente pelo Instituto Arara-Azul, estavam mantendo a maior população da espécie, localizada no bioma do Pantanal, em condições seguras”, disse Priscilla do Amaral, coordenadora da Cemave, à Mongabay. “Não é confortável estar na categoria vulnerável, mas em comparação com a situação anterior, tínhamos um cenário mais otimista.”
Entre 2000 e 2013, a arara-azul, maior psitacídeo do mundo, foi classificada como espécie ameaçada no Brasil. A situação de conservação da ave melhorou e ela foi considerada espécie vulnerável em 2014, de acordo com a UICN. O atual declínio se deve à perda de habitat no Brasil: nas planícies alagadas do Pantanal, na savana do Cerrado e na floresta tropical da Amazônia.
“A percepção daqueles que trabalham em campo e conhecem a espécie e seu ambiente há décadas é que as pressões aumentaram”, diz Amaral. “Isso é corroborado por um trabalho científico publicado no ano passado e também por cálculos que fizemos sobre a perda de habitat da arara-azul com ferramentas tecnológicas como o Google Engine e o MapBiomas.”
O Ministério do Meio Ambiente, que publica a Lista Nacional de Espécies Ameaçadas, disse à Mongabay por e-mail que planeja publicar uma lista atualizada a cada ano. Como a última foi publicada em junho deste ano, é provável que a próxima, que pode incluir a arara-azul, seja divulgada em 2023.
Especialistas em conservação dizem que o aumento da frequência e intensidade de incêndios no Pantanal e o desmatamento na Amazônia e na região central do país são os principais responsáveis pela destruição de habitat nos anos recentes. O Pantanal, que abriga 70% das araras-azuis do Brasil, teve 28% de sua área total atingida por incêndios em 2020, de acordo com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Um relatório técnico do Ministério Público do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, estados onde se localiza o Pantanal, mostrou que quase 60% dos incêndios daquele ano foram relacionados a atividades agrárias.
Incêndio em áreas alagadas
As araras-azuis vivem em bandos, e sua população se concentra no Mato Grosso do Sul, especialmente no Refúgio Ecológico Caiman. É lá que o Instituto Arara-Azul tem sua sede desde 1998. Abrangendo uma área de 54 mil hectares, o local também serve como área de reprodução das araras-azuis e tem cerca de 110 ninhos, tanto naturais quanto artificiais. Durante os incêndios de 2019, 35 mil hectares do santuário foram queimados, atingindo ovos e filhotes de araras-azuis.
Um local-chave para as aves, onde elas se reuniam em grandes números para dormir, ficava na fazenda São Francisco do Perigara, no Mato Grosso. O Instituto Arara-Azul, que monitorava o local desde 2004, chegou a contar mais de mil aves lá no passado. Mas em agosto de 2020, 90% da propriedade queimou, e as araras se dispersaram.
“Em abril [2022], em nossa última contagem, havia apenas 227 araras-azuis”, disse Neiva Guedes, presidente e fundadora do Instituto Arara-Azul, à Mongabay. “Foi um local tradicional para a espécie por mais de 60 anos. Depois dos incêndios, a maioria não retornou mais para dormir na área.”
Os incêndios no Pantanal resultaram em escassez de alimentos, perturbando o funcionamento natural do ecossistema e deixando as araras-azuis vulneráveis a predadores como a irara (Eira barbara) que, do contrário, buscaria outras presas, diz Guedes.
“Animais que aproveitavam os restos deixados pela arara-azul não podem mais fazer isso, e as iraras chegaram até a comer araras adultas, o que nunca tinha acontecido”, diz ela. “Há mudanças que ainda não compreendemos, bem como seus impactos.”
Em 2008, havia cerca de 6.500 araras-azuis no Brasil, mais de três quartos delas no Pantanal. Tratava-se de uma reversão drástica na população, que chegou a apenas 2.500 indivíduos em 1987. Estima-se que o tráfico de aves para o comércio ilegal de animais de estimação até os anos 1980 tenha retirado mais de 10 mil araras-azuis da natureza.
“É muito difícil obter números precisos, especialmente depois dos últimos incêndios”, diz Guedes, que trabalha com pesquisa e conservação das araras-azuis desde 1994. “Este ano, tentaremos estimar [a população] com a colaboração de pesquisadores internacionais.”
Populações menores de araras-azuis também são encontradas na Bolívia (que tinha 150 aves em 2000) e na parte paraguaia do Pantanal.
Clima mais hostil
Uma das razões pelas quais a arara-azul é uma das espécies de araras mais ameaçadas é que ela tem uma taxa reprodutiva baixa (a fêmea costuma botar apenas dois ovos por ciclo, em média), e seu período de procriação, de agosto a outubro, coincide com a estação seca no Pantanal, quando ocorrem os incêndios.
“No ano passado, retiramos às pressas quatro filhotes de dois ninhos artificiais na fazenda Caiman até que o fogo se extinguisse”, conta Guedes. “Do contrário, eles teriam morrido intoxicados pela fumaça.”
Outro fator é que a ave tem uma dieta muito particular, centrada em espécies de palmeiras nativas. Na região do Pantanal, ela come apenas o fruto do acuri (Attalea phalerata) e da bocaiúva (Acrocomia aculeata). Elas fazem seus ninhos quase que exclusivamente nas cavidades da árvores manduvi (Sterculia apetala), que têm caule macio.
As mudanças climáticas também afetaram a reprodução das aves. “Há alguns anos, costumava chover o mesmo volume de água por 20, 30 dias. Agora, as chuvas se concentram num período curto, e a água acaba alagando as cavidades, especialmente as naturais”, diz Guedes. “Com os ninhos alagados, os filhotes se afogam, e os ovos, que precisam da incubação das fêmeas para que os embriões se desenvolvam, têm seu ciclo interrompido.”
As mudanças na temperatura são outro fator negativo na região. A temperatura média no Pantanal é de 35° C, mas no ano passado chegou a 43° C na sombra e caiu para 7° C em menos de 24 horas. Essas variações extermas podem matar tanto os ovos quanto os filhotes.
“Os animais estão sujeitos a extremos climáticos. Quando essas variações acontecem muito rapidamente, eles não têm tempo de se adaptar”, diz Guedes. “Pode parecer óbvio dizer isso, mas diferentemente de nós, os animais não têm casacos, ar condicionado ou tecnologia para se defender.”
Apesar das mudanças rápidas no habitat da arara-azul, Guedes diz que seu instituto e parceiros continuam otimistas na luta para salvar a espécie, coletando dados para apoiar políticas públicas e treinando mais pessoas para ajudar na conservação. “Precisamos ser persistentes e unir forças para realizar muito mais, para ajudar a salvar a biodiversidade, que inclui a humanidade”, diz ela.
Amaral ecoa o sentimento. “Se dermos uma chance à natureza, ela se recupera, e é por isso que acredito nos esforços de conservação”, diz. “É uma luta colossal porque é necessário compreender que os benefícios virão no futuro para todos, o que não é natural para os seres humanos, que buscam vantagens imediatas para si mesmos ou para seu grupo. Essa mudança de mentalidade é crucial.”
Citações
– Oliveira, M.R., Szabo, J.K., Santos Júnior, A.D., Guedes, N.M., Tomas, W.M., Camilo, A.R., … Garcia, L.C. (2021). Lack of protected areas and future habitat loss threaten the Hyacinth Macaw (Anodorhynchus hyacinthinus) and its main food and nesting resources. Ibis, 163(4), 1217-1234. doi:10.1111/ibi.12982
– Guedes, N. M. R., Scherer-Neto, P., Fontoura, F.M., Ferreira, L.P., Ramalho, K., Lourenço, A.C.P., Carvalho, B.H.G., Ferramosca, M.R., Moreira, T.A. (2021). Macaws survive fires and provide hope for resilience – Stubborn survivors. Pantanal Science Magazine 6 (1):36-41. Portuguese/English/Spanhish ISSN 2357-9056