Aracnídeos fantásticos e seus hábitats: cavernas

Os aracnídeos formam um grupo denominado Arachnida. Nessa classe, estão presentes 11 ordens sistemáticas. Além de aranhas (ordem Araneae) e escorpiões (ordem Scorpiones), é importante ressaltar que outros organismos, como ácaros, solífugos, schizomídeos, telifonídeos, pseudoscorpiões, ricinuleos, palpígrados, opiliões e amblipígios também fazem parte dos aracnídeos, com diferentes particularidades e adaptações evolutivas. Entretanto, todos possuem quatro pares de pernas, um par de quelíceras e um par de pedipalpos.

Os aracnídeos são frequentemente reconhecidos por serem predadores vorazes. Sabemos também que eles estão distribuídos por quase todo globo terrestre, com exceção dos polos. Além disso, é importante notar que alguns aracnídeos, com milhões de anos de evolução, também colonizaram ambientes subterrâneos, como as cavernas. Habitar ambientes tão singulares exige que algumas características sejam reconhecidas nesses organismos, como a ausência de olhos ou a presença de olhos atrofiados, coloração do corpo normalmente pálida e despigmentada, numerosas cerdas que servem para a percepção do ambiente e pernas alongadas em formato de antenas, que “sentem” o ambiente.

Os aracnídeos que vivem nessas condições únicas e que possuem essas adaptações são chamados de troglóbios. As cavernas são ambientes com cavidades naturais, que se formaram há milhões de anos, principalmente pelo intemperismo das rochas que as compõem e se estendem até o subsolo. A área que estuda tudo sobre as cavernas e sua diversidade é denominada Espeleologia.

 Mulheres na Espeleologia

Espeleólogas, ao explorarem a diversidade na escuridão, já encontraram alguns aracnídeos associados a esses ambientes, como os Amblypygi, conhecidos popularmente como aranha-chicote. Mas não se engane, não se trata de uma aranha, e sim de outro aracnídeo. Você pode até não lembrar, mas já deve ter visto este icônico aracnídeo no filme de Harry Potter.

Entretanto, no filme, ele é erroneamente chamado de aranha. Os amblipígios podem ser reconhecidos por apresentarem um corpo achatado, longos pedipalpos espinhosos e o primeiro par de pernas alongado, com função sensitiva. Mesmo apresentando todos esses ornamentos, que para muitos é uma aparência assustadora, esses organismos não apresentam qualquer risco para nós, seres humanos.

Em sua maioria, os amblipígios alimentam-se de outros artrópodes, principalmente insetos. Entretanto, encontrar alimento em ambientes cavernícolas pode ser diferente. Foi então que, em um trabalho de 2017, espeleólogos e uma espeleóloga encontraram registros de animal da espécie Heterophrynus longicornis em cavernas do leste da Amazônia, no Brasil, alimentando-se de morcego já morto. Esse comportamento de se alimentar de carcaças e restos de animais é denominado necrofagia.

Outra criatura minúscula e interessante, também encontrada em cavernas, é o aracnídeo da ordem Palpigradi. Esse pequeno aracnídeo pode ser reconhecido pelo corpo diminuto, cerca de dois milímetros, e por ser desprovido de olhos e cor (é incolor). Apresenta o primeiro par de pernas anteniformes, além de um flagelo na porção final do abdômen, recoberto por cerdas. Isso ajuda os palpígrados a sentirem o ambiente. Outras características significativas de adaptações desse aracnídeo já foram elucidadas por aracnólogos (as), como o reconhecimento de que eles perderam seus pulmões foliáceos ao longo de sua história evolutiva. Ainda existem muitas perguntas a serem investigadas sobre a ecologia e o comportamento desses organismos. Entretanto, há alguns dados sobre a alimentação desses predadores, que podem ser necrófagos, onívoros, saprófagos e bacteriófagos. Em um estudo de 2013, observaram que a espécie Eukoenenia spelaea se alimentava de cianobactérias em seu ambiente. Os autores conseguiram demonstrar esse comportamento através de técnicas confocais de fluorescência, permitindo observar as células das cianobactérias nas partes digestivas do palpígrado.

Aracnólogos (as) especializados em fauna cavernícola do Brasil, como Rafael Fonseca Ferreira e Maria Elina Bichuette, em 2015, realizaram um trabalho sobre a fauna aracnológica de uma caverna brasileira em Minas Gerais, encontrando uma riqueza de ordens de aracnídeos, como opiliões, aranhas e pseudoscorpiões. No trabalho, também se faz referência à riqueza da diversidade em outras cavernas e destaca-se que ainda há muitos estudos a serem realizados. Além disso, em outra equipe à procura de vida cavernícola, os pesquisadores, incluindo Roberta Cerqueira, mantêm suas luzes acesas em diferentes espaços da escuridão, atentos à procura de vida cavernícola.

Outros aracnídeos encontrados nesses ambientes e que são de extrema relevância para níveis significativos de extinção incluem a espécie brasileira de escorpião cavernícola Troglorhopalurus translucidus.

Especialista aracnóloga, como Barbara Teixeira Faleiro, relata frequentemente a importância do estado de conservação dessas e de outras espécies de aracnídeos encontrados em ambientes tão específicos e únicos. Além disso, novas ocorrências de Schizomida, como a espécie Stenochrus portoricensis, também foram registradas em cavernas do Brasil.

Conhecidos popularmente como microescorpiões-vinagre, esses aracnídeos, apesar de não serem escorpiões, são reconhecidos pelo tamanho diminuto, coloração amarronzada e frequentemente confundidos com insetos cupins. A sensibilidade à perda de água limita os hábitats onde esses aracnídeos podem sobreviver. Por isso, são comumente encontrados em ambientes úmidos, como embaixo de rochas, em troncos em decomposição e em meio ao folhiço. Ocupam também hábitats sem luz, sendo crípticos, endêmicos e vivendo em áreas restritas, como as cavernas do Brasil.

Ambientes inóspitos e difíceis de trabalhar

Conhecer essa diversidade de aracnídeos em ambientes tão inóspitos e singulares requer tanto o preparo físico dos investigadores e investigadoras quanto equipamentos de proteção. Além disso, é preciso reconhecer a coragem e a persistência dessas pesquisadoras e espeleólogas, já que muitas vezes são diretamente desconsideradas para participar desse tipo de expedição devido a preconceitos de gênero. Vale a pena ressaltar que, apesar de o turismo e a exploração humana atraírem a atenção para ambientes cavernícolas, muitas das espécies que ali se encontram estão sob proteção e/ou em risco de extinção devido à ação humana.

Degradar e poluir esses ambientes afetará diretamente a sobrevivência desses aracnídeos fantásticos e seus hábitats, os quais não representam nenhum perigo para nós, seres humanos. O entendimento dos efeitos em cascata deve ser cada vez mais incorporado em nossa compreensão da vida. A natureza interage de forma sinérgica, com diferentes óticas de interações, como uma teia, onde toda a vida está interligada por fios interconectores em diferentes dimensões.

 Glossário

Arachnida: nome científico da classe dos Aracnídeos. Arachnida compreende a todas as 11 ordens da aracnofauna: Araneae, Scorpiones, Ácari, Solifugae, Schizomida, Telyphonida, Pseudoscorpiones, Ricinulei, Palpigradi, Opiliones e Amblypygi.

Atrofiado: característica que não se desenvolveu por completo.

Troglóbios: nome científico para todos aqueles organismos que habitam ambientes cavernícolas e/ou águas subterrâneas .Possuem adaptações específicas para a completarem seu ciclo de vida em ambientes tão inóspitos.

Intemperismo: nome científico dado ao processo de desgaste natural das rochas. Conforme suas condições de origem, ele é dividido por ações físicas, químicas e biológicas.

Cavernas: pode ser compreendida como qualquer cavidade profunda, cova, gruta, sendo de formação natural rochosa.

Espeleologia: área científica que estuda cavidades subterrâneas, as cavernas e tudo que nela existe desde sua origem, formação e evolução.

Espelógos/as: nome dado aos pesquisadores que realizam estudos em cavernas.

Amblypygi: nome científico de uma das ordens de Aracnídeos. Os amblipígios podem ser reconhecidos principalmente por terem pedipalpos com muitos espinhos e também a presença de pernas alongadas, como se fossem antenas (anteniformes).

Necrofagia: comportamento ligado à alimentação de animais necrófagos, que são aqueles que se alimentam de carcaças de outros animais já mortos, mas não em decorrência do predador.

Palpigradi: nome científico de uma das ordens de Aracnídeos. Os palpígrados podem ser reconhecidos principalmente pelos seus tamanhos diminutos e também falta de pigmentação corporal e não possuírem olhos.

Schizomida: nome científico de uma das ordens de Aracnídeos. Os schizomida são conhecidos popularmente como microescorpião-vinagre. Mesmo não sendo escorpiões, essa nomenclatura é data referente à estes organismos possuírem glândulas de odor como sistema de defesa, onde o cheiro lembra o de um vinagre. Assim como também outra ordem de aracnídeo chamada de Telyphonida, os popularmente conhecidos como escorpiões-vinagre. Essas duas ordens em explicação aos aracnídeos do tipo escorpião-vinagre em alguns livros pode ser encontrada como Uropygi.

Referências

• Carvalho, L. S. (2015). Aracnídeos: quem são, por que estudá-los e como coletá-los. Métodos em Ecologia e Comportamento Animal, 103-140.
• Fonseca-Ferreira, R.; Bichuette, M.E.. A aracnofauna cavernícola da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, Estado de Minas Gerais. In: Rasteiro,M.A; Sallun Filho, W. (orgs.) Congresso Brasileiro de Espeleologia, 33, 2015. Eldorado. Anais… Campinas: SBE, 2015. p.39-49. Disponível em: http://www.cavernas.org.br/anais33cbe/33cbe_039-049.pdf
• Gallão, J. E., Ribeiro, D. B., Gallo, J. S., & Bichuette, M. E. (2023). There and Back Again – The Igatu Hotspot Siliciclastic Caves: Expanding the data for subterranean fauna in Brazil, Chapada Diamantina Region. Diversity, 15(9), 991.
• Porto, T. J., Carvalho, L. S., de Souza, C. A. R., Oliveira, U., & Brescovit, A. D. (2014). Escorpiões da Caatinga: conhecimento atual e desafios. Artrópodes do Semiárido: biodiversidade e conservação. Printmídia, Feira de Santana, 33-46.
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• https://www.andifes.org.br/2023/08/29/ufpi-pesquisa-aracnideos-de-cavernas-do-brasil-ameacados-de-extincao/#:~:text=%E2%80%9CA%20fauna%20cavern%C3%ADcola%20de%20aracn%C3%ADdeos,dos%20ambientes%20cavern%C3%ADcolas%20para%20sobreviver.
• https://www.biologiasubterranea.com.br/pt/divulgacao/

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