Antas ajudam pesquisadores a descobrir contaminação de humanos por agrotóxicos

Estudo realizado com antas (Tapirus terrestris) ajudou pesquisadores a descobrirem a contaminação de pessoas por agrotóxicos no Mato Grosso do Sul. A equipe da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (Incab) do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê) realizou, em abril de 2023, a coleta de amostras biológicas de seres humanos para detectar a presença de agroquímicos e metais. Os resultados dos exames comprovaram as suspeitas que surgiram com outro estudo da instituição, que aconteceu de 2015 a 2018 e identificou a presença dessas mesmas substâncias em antas vivendo na natureza. A hipótese era de que se os animais silvestres estavam contaminados, o problema também poderia ocorrer com os moradores da mesma região.

As amostras foram coletadas em 94 habitantes dos municípios de Nova Alvorada do Sul e Nova Andradina, no sudoeste do Estado. Foram detectados cinco agroquímicos nas análises, sendo dois organofosforados (glifosato e malathion) e três organoclorados (pp’-DDD, Dieldrin e Beta-BHC). O glifosato é o herbicida mais utilizado no Brasil, possuindo potencial cancerígeno. Do total, 36 pessoas foram detectadas com algum dos cinco agroquímicos no organismo e, desse grupo, 25 apresentaram glifosato nas amostras. O glifosato é uma molécula que se degrada rapidamente, sendo de difícil detecção – a não ser quando a exposição é recente.

Espécie-sentinela

A anta é uma espécie sentinela, ou seja, que ajuda a detectar riscos ou perigos a outras espécies, incluindo seres humanos. Na pesquisa que ocorreu entre 2015 e 2018, pesquisadores da Incab-IPÊ amostraram 116 antas, identificando 13 compostos químicos, sendo nove pesticidas e quatro metais.

“O próximo passo é entender quais são os efeitos da presença destes agroquímicos e metais nas antas. Detectamos a exposição das antas e dos seres humanos a essas substâncias e expandimos o trabalho para outros biomas onde já temos estudo: em três áreas da Amazônia, da Mata Atlântica e do Pantanal, além de recoletar em alguns trechos do Cerrado, para expandir um pouco mais na compreensão dos efeitos desses agroquímicos na saúde desses bichos. Detectamos algumas alterações, mas que ainda não podem ser atribuídas a efeitos relacionados aos agroquímicos. Por exemplo, no Cerrado, observamos alguns distúrbios reprodutivos nos animais, desmantelamento da organização social, diminuição drástica de longevidade. Enquanto no Pantanal monitoramos, há quase 20 anos, algumas antas com 26-27 anos de idade, no Cerrado não detectamos nenhum animal com mais de 16 anos”, explicou a coordenadora do Incab, Patricia Medici.

Cerrado, o berço das águas, contaminado por agroquímicos

O Cerrado brasileiro é o bioma conhecido por ser o berço das águas, pois alimenta seis das oito grandes bacias hidrográficas do país: Amazônica, do Araguaia/Tocantins, do Atlântico Norte/Nordeste, do São Francisco, do Atlântico Leste e do Paraná/Paraguai, incluindo as águas que escoam para o Pantanal. De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Centro-Oeste, as águas do Cerrado encontram-se com taxas elevadas de contaminação por agroquímicos provenientes da agropecuária, principalmente do plantio de soja.

Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) demonstram que o Centro-Oeste é a região que mais comercializa agrotóxicos no país e Mato Grosso do Sul ocupa a sexta posição na venda desses produtos.

A jardineira da floresta

A anta é o maior mamífero terrestre da América do Sul, chegando a pesar entre 180 e 300 quilos. A espécie é vital para a biodiversidade por ser uma importante dispersora de sementes, por isso recebe o título de “jardineira da floresta”. Além disso, por ocupar extensas áreas de uso, é uma espécie guarda-chuva, ou seja, garantir sua conservação também influência na existência de outras espécies que compartilham o mesmo hábitat.

Apesar de sua importância, a espécie está listada como “vulnerável” à extinção na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Além disso, a anta-brasileira está ameaçada de extinção no Cerrado, de acordo com o Instituto Chico Medes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). As principais ameaças à espécie nesse bioma são: destruição e fragmentação do hábitat, colisões veiculares, contaminação por agrotóxicos, caça e incêndios.