Marília Gama
Veterinária e analista ambiental da Coordenação-Geral de Gestão e Monitoramento do Uso da Fauna e da Biodiversidade Aquática (CGFau) do Ibama.
O relatório síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2023 projeta que as mudanças climáticas aumentarão a severidade dos impactos nos sistemas naturais e humanos, exacerbando as diferenças regionais. Esses impactos representam riscos como a perda de espécies animais, ameaças à saúde humana devido ao desequilíbrio entre altas temperaturas e umidade do ar e grandes impactos na agricultura, ameaçando a segurança alimentar.
Nos últimos 20 anos, eventos como grandes inundações e incêndios têm sido frequentes nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul do Brasil. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de março de 2023 a março de 2024, foram identificados 42.214 focos de incêndio no estado do Pará, seguido pelo Mato Grosso com 23.567 e pelos estados do Maranhão e Amazonas com 21.283 e 19.821 focos, respectivamente. Uma análise do WWF-Brasil, baseada em dados do Programa Queimadas do Inpe, aponta que o bioma Pantanal registrou um aumento de 898% no número de queimadas em comparação com o mesmo período de 2023.
Diante dessa perspectiva, é necessário ponderar sobre a importância da conservação da biodiversidade para a manutenção do equilíbrio ecológico e dos ecossistemas. É urgente estabelecer redes de colaboração, especialmente em regiões críticas, para que instituições públicas trabalhem em parceria com a sociedade civil em ações emergenciais. Os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama têm a prerrogativa de “receber, identificar, marcar, triar, avaliar, recuperar, reabilitar e destinar animais silvestres provenientes de resgates”.
Os Cetas desempenham um papel vital na reabilitação de animais silvestres afetados por desastres ambientais. Frequentemente, esses centros recebem fauna atropelada, queimada, com traumas crânioencefálicos, fraturada ou desnutrida. Os profissionais dessas unidades desenvolvem um arcabouço de conhecimentos técnicos essencial para atendimentos emergenciais.
A capacidade técnica dos profissionais em relação ao bem-estar de animais silvestres que permanecem em cativeiro por períodos indeterminados para tratamento é crucial. O manejo alimentar e a rotina no cativeiro precisam ser estrategicamente realizados para garantir a saúde e a recuperação dos espécimes, evitando o estresse induzido pela própria rotina e pelo contato excessivo com humanos.
Os Cetas também têm a prerrogativa de criar Áreas de Soltura e Monitoramento (Asas), onde são construídos recintos de imersão para a reabilitação gradual (soft release) de animais. Parcerias entre a sociedade civil e instituições públicas são fundamentais para a criação desses recintos, fornecendo meios e assistência técnica para a soltura no momento e forma mais adequados.
Apesar das dificuldades, o Ibama, através da infraestrutura da Rede Cetas e com apoio da Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas (DBFlo), tem auxiliado em ações emergenciais. Equipes são enviadas para apoiar ações de assistência a animais resgatados no Rio Grande do Sul e no Pantanal. Em maio, uma equipe da DBFlo e da Coordenação de Emergências Ambientais (CGEMA) esteve na rodovia Transpantaneira para conhecer a infraestrutura disponível e ampliar a rede de apoio aos animais resgatados em possíveis incêndios florestais.
É essencial reconhecer a expertise adquirida nas rotinas dos Cetas e a capacidade técnica que pode contribuir significativamente nas ações de emergência. Aprimorar esse conhecimento com capacitação para resgates técnicos pode aumentar as taxas de sucesso na reabilitação e no retorno dos animais à vida livre, garantindo a eficiência das respostas a emergências ambientais e a conservação da biodiversidade.