
Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena (SP)
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No trabalho com fauna silvestre, em especial no que se pratica nos Cetas, a máxima: “ninguém faz nada sozinho” tem forte significado. Os Cetas são estabelecimentos cujas ações são sempre entremeadas por interações entre pessoas e instituições que se colocam ao lado do nosso trabalho. Longe de ser um sinal de fraqueza ou insuficiência, na verdade o bom trabalho de um Cetas, por mais bem estruturado que esteja, sempre estará cercado por parceiros de ofício, com sobreposições de atribuição ou simplesmente por afinidade de ambições, metas e objetivos, que estarão juntos no caminho que se trilha para o trabalho de manejo e proteção da fauna silvestre.
Para melhor ilustrar esse raciocínio, tomemos como exemplo simbólico o caso hipotético (mas muito comum, de fato) de um espécime de ave, como um canário-da-terra (Sicalis flaveola) caçado e mantido em cativeiro ilegal. Durante o processo relacionado com aquilo que se pretende, ou seja, devolvê-lo para o ambiente natural, existe um encadeamento de ações nas quais um Cetas ocupa um papel intermediário.
No caso do ilícito, as instituições com força policial, encarregadas da apreensão e confisco, geralmente iniciam o processo. Essas colocam o animal sob guarda de um Cetas, iniciando a segunda etapa.
Quando triado, tratado e reabilitado, o animal estando apto para a destinação, pode o Cetas estar pronto para promover o início da terceira etapa, que é a destinação seguida das importantes ações relacionadas a ela. Se for o caso de soltura por enriquecimento populacional, essa terceira etapa pode não terminar com a chegada do animal no ambiente de ocorrência da espécie, onde deve haver condições de manter a sobrevivência do indivíduo. O “abrir de gaiolas”, ato simbólico da retomada da liberdade ou renascer ecológico, pode ser enriquecido de importantes atos, como a avaliação de sucesso de soltura e monitoramento pós-soltura.
Nesse encadeamento de etapas, aqui apresentado de forma muito simplificada do início ao final, muitos atores podem cooperar mutuamente como responsáveis pelas atribuições ou como pessoas e instituições satélites, entretanto, não menos importantes no processo.
A qualidade de um parceiro pode ser medida pela capacidade de executar a tarefa que lhe compete e pela disponibilidade e aptidão da execução desta. Como nenhuma corrente é mais forte que o seu elo mais fraco, o encadeamento das parcerias reflete positivamente no trabalho como um todo. Mais especificamente, no exemplo acima exposto, um parceiro executando um bom trabalho na etapa final permite ou cria um ambiente favorável para o processo em todas as etapas.
Nesse texto, gostaríamos de citar um parceiro, entre vários, do Cetas do Ibama de Lorena (SP) que figura muito bem na função de destinação de animais para a soltura, a terceira etapa. Ele tem se mostrado imprescindível para ações realizadas no Cetas. Trata-se da Área de Soltura de Animais Silvestres Fazenda Nova Gokula.
No início do ano de 2008, representantes de uma comunidade religiosa localizada no município de Pindamonhangaba (SP), relacionada ao movimento Hare Krishna no Brasil, procurou o Cetas do Ibama de Lorena para obter informações que os ajudassem na abertura de um criadouro de aves exóticas no local onde se situa a comunidade, a Fazenda Nova Gokula.
O que foi inicialmente a busca de informações para o estabelecimento de um empreendimento de fauna em cativeiro, se transformou em uma chamada, um convite para que, ao invés da manutenção de aves exóticas, a Fazenda Nova Gokula se cadastrasse como uma Área de Soltura e Monitoramento de Fauna (ASM) seguindo o nome e o protocolo que o Ibama de São Paulo mantinha na época. A ideia foi, além de muito bem aceita, tão bem concretizada que desde aquele ano já se foram 11 anos de uma parceria muito frutífera entre o Cetas e a comunidade que lá se encontra.
E a parceria se fortaleceu e deu frutos. A ASM Nova Gokula, além se ser reconhecida pelo Ibama como Área de Soltura, também mantém cadastro para o mesmo fim junto ao Departamento de Fauna da Subsecretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Além disso, a ASM Nova Gokula apoia o Cetas do Ibama de Lorena na reabilitação de vários animais.
A ASM Nova Gokula realiza um trabalho formal e informal de monitoramento pós-soltura, já que conta com dois grandes e muito bem estruturados viveiros de pré-aclimatação, equipe técnica competente e toda a comunidade da fazenda envolvida em cooperação com os registros de avistamentos dos animais soltos na propriedade, realizando o que se chama de monitoramento informal de soltura. Além disso, durante a parceria, a equipe da ASM Nova Gokula foi sendo protagonista em atividades muito além daquelas simplesmente relacionadas com a soltura de animais silvestres.
Ações de educação ambiental com público visitante da fazenda, com público escolar de Pindamonhangaba e municípios vizinhos têm sido realizadas sistematicamente. A equipe da ASM Nova Gokula também tem tido protagonismo em importantes eventos técnicos relacionados com a proteção da fauna silvestre.
Como este espaço não seria suficiente para mostrar todos os frutos desta parceria, fica o convite para que o leitor busque mais informações sobre o trabalho da ASM Nova Gokula nas redes sociais.
Finalmente, no exemplo prático aqui apresentado, a área de soltura, como forte elo dessa corrente, tem um importante papel na coibição de crimes contra fauna, porque ajuda a fechar o ciclo das ações. Estas começam lá com a fiscalização de crimes contra a fauna, que só pode ocorrer porque existem Cetas aptos a receber, reabilitar e destinar animais relacionados a esses ilícitos. Contudo, os Cetas só executam com sucesso seu papel se puderem contar com áreas de soltura que podem promover a (re)ambientação desses animais.