Por Yuri Marinho Valença
Biólogo, mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É coordenador do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) Tangará da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), em Recife, e coordenador técnico do projeto de reabilitação, soltura e monitoramento de papagaios-verdadeiros intitulado de "Projeto Papagaio da Caatinga"
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Todos os dias nos centros de triagem de animais silvestres (Cetas) chegam inúmeros animais dos mais diversos tipos. Um dos principais motivos de recebimento são os casos envolvendo fauna urbana ou periurbana, ou seja, animais que vivem ou tem parte de sua vida atrelada ao meio urbano.
Com desordenado crescimento urbano, os biomas ficam cada vez mais fragmentados e com menos área de vida para as mais variadas espécies. Com isso, animais que tem uma plasticidade maior de tolerância a ambientes alterados passam a viver ou a visitar com bastante frequência as áreas urbanas, como é o caso de quatis, gambás, preguiças, tamanduás, urubus, carcarás, gaviões, passeriformes, etc.
A grande problemática dessa interação está no fato de que a sociedade não passou a ver os animais urbanos ou periurbanos como moradores natos ou visitantes frequentes com direito a esse ambiente. Com isso, ao avistar qualquer ser que esteja fora da sua ótica do senso comum, as pessoas logo solicitam um resgate do animal ou até mesmo se disponibilizam de capturar e levar ao Cetas para receber um atendimento que não precisaria existir. Com isso, aumenta-se o trabalho e os gastos desses centros.
O Cetas Tangará da Agência Estadual de Meio ambiente de Pernambuco, em Recife, recebeu 13.406 animais em 2018 e, desses, 1.047 (11%) foram resgates e 644 (6%) entregas voluntárias. Ou seja, cerca de 10% dos animais que entram no Cetas não necessariamente precisariam ter chegado a tal destino. São casos como os de gaviões que, por construirem seus ninhos próximos a residências e por seu comportamento territorialista, acabam sendo retirados do seu ambiente para serem incorporados ao centro. E isso é consequência da falta de aprendizado de convivência.
É o caso também dos iguanas que vivem em nossas árvores urbanas e se alimentam de suas folhas, sendo pouco vistos pela população. Quando chega o período de estiagem ou reprodutivo, eles tendem a se locomover com mais frequência pelos ambientes e, com isso, as pessoas imaginam que esses animais nunca foram daquela localidade. A demanda por resgates atinge também os saguis, que conseguem estar em ambiente urbano por não terem muitas necessidades específicas em seu hábito de vida.
As consequências dessas retiradas são animais perdendo seu ambiente já conhecido de sobrevivência, disputando por um território quando soltos em novas áreas e enfrentando um estresse imenso causado por o manejo da captura – processo em que muitas vezes acabam se machucando e sofrendo mutilações, o que os condena ao cativeiro.
A solução para reduzir esses efeitos é difundir na sociedade a ideia de que os animais sempre conviveram com os humanos, que existe sim uma fauna urbana com direito a um espaço nesse meio e que a convivência harmoniosa é possível desde que cada um respeite o limite do comportamento de cada grupo. Outra alternativa é o aumento de áreas verde dentro dos centros urbanos com variedades de vegetação para que essa fauna possa viver sem utilizar diretamente as estruturas construídas.
E, por fim, essa convivência não é apenas uma via de mão única. Vários animais dessas espécies urbanas têm funções muito importantes nos locais onde vivem, como a dispersão de sementes ou o controle de pragas urbanas como roedores ou insetos.