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Por Marlon Cezar Cominetti
Biólogo, mestre e doutor em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Faculdade de Medicina pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (Famed-UFMS). É é coordenador do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) em Campo Grande.
universocetas@faunanews.com.br
Não sei se conseguirei atingir sua consciência, mas tentarei mostrar qual o papel do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) do Mato Grosso do Sul para auxiliar no combate ao tráfico de animais. Também não creio que o leitor desta coluna seja conivente com esse crime, mas, talvez, em uma “googlada” de uma criança para um trabalho de ciências este artigo possa plantar uma semente. Quem sabe. “Enquanto há vida, há esperança” (Cícero).
No dia 14 de setembro de 2019, o Cras de Campo Grande (MS) recebeu um lote de 150 filhotes de papagaios apreendidos pela Polícia Militar Ambiental (PMA) no município de Bataguassu. No mesmo mês, dia 23, mais 11 filhotes da mesma espécie, vindo do município de Novo Horizonte do Sul. Desses, um foi a óbito pouco antes da recepção pelos técnicos do centro. Esses dois casos foram comentados em 16 de setembro pelo Fauna News em "E começou a temporada anual de tráfico de papagaios-verdadeiros do Cerrado".
Em 12 de setembro de 2018, 47 filhotes de papagaios, novamente vindos de Novo Horizonte do Sul. Em 14 do mesmo mês, mesmo ano, 69 filhotes de papagaios, município de Ivinhema. Em 16 de outubro de 2018, mais um filhote entregue ao Cras, do município de Três Lagoas.
Esse é o período de reprodução de Psitacídeos (agosto a novembro) e no qual ocorrem as apreensões. Os traficantes destroem os ninhos em busca dos filhotes, gerando um prejuízo ambiental de grandes proporções.
Parece mais um texto chato com números de apreensões. E é, pois ainda enfrentamos o problema do tráfico de animais silvestres. Apenas citei uma espécie em determinado período de dois anos diferentes para apresentar uma dura e triste realidade. Essas apreensões são constantes, quase sempre na mesma época, na mesma região do Estado e com a mesma espécie. Dá a sensação de ser mais uma piada de mau gosto.
Mas não é.
Dos filhotes apreendidos, mais da metade, infelizmente, não consegue ser reabilitado para devolução a seu habitat natural. A maioria dos óbitos ocorre devido às condições em que foram acondicionados pelos criminosos, o que causa desidratação, fome, estresse, queda da imunidade etc.
Assim que as aves chegam no Cras, são acondicionadas em caixas próprias, forradas com jornal e maravalha, materiais que absorvem a umidade e mantém os animais aquecidos. São alimentadas três vezes ao dia com ração própria para filhotes de Psitacídeos e passam por exames clínicos e sanitários, garantindo as melhores condições possíveis para seu desenvolvimento e futuro retorno à natureza.
Os papagaios passam por três estágios de treinamento para devolução à natureza. Cada estágio é desenvolvido em recinto distinto e próprio para esse fim. O período de treinamento pode passar de um ano, variando conforme as condições dos animais, pois cada ave tem seu próprio tempo. Após essas etapas, os animais serão destinados para fazendas cadastradas como áreas de soltura, soltos no campo e monitorados ao longo dos anos. Dessa forma, garantimos as melhores condições para que cada animal seja devolvido à natureza e possa contribuir para o equilíbrio ecológico do qual faz parte.
Após ler todas essas informações, gostaria que você, leitor, pensasse nos seguintes itens apresentados:
– número de animais apreendidos;
– estresse gerado;
– quantidade devolvida para a natureza;
– período de treinamento para retorno ao habitat;
– medicamentos e alimentação empregados (não informado o valor, mas não são baratos);
– funcionários que devem ser contratados para atender a demanda;
– horas, dias, semanas, meses e anos de dedicação aos animais (observe que apenas citei papagaios).
Consegue entender o impacto que o tráfico gera para os animais e para você?
Sim, pois esses recursos empregados para atender a demanda vêm de algum lugar. Se for um Cras ou Cetas (centro de triagem de animais silvestres) público, sairá de dinheiro dos impostos. Se for privado, também recebeu dinheiro que poderia ser empregado em outras atividades. Dessa forma, quando o comprador – que, opinião pessoal, não passa de mais um ente do tráfico – adquire um desses animais, atua como agente criminoso e está impedindo a aplicação de recursos públicos – inclusive os seus – em outros setores.
Note que não citei as ações das polícias, do Ibama, do Ministério Público etc. Somados, os valores são altíssimos.
E como impedir o tráfico? Existe solução?
Confesso que não creio que consigamos impedir isso, pois a pequenez do ser humano é gigante. Infelizmente, vai muito além de apenas ações de combate ao tráfico – que devem existir e ser ampliadas para amenizar as dores causadas pelo “câncer”.
Mas, “enquanto houver vontade de lutar haverá esperança de vencer” (Santo Agostinho). O Cras do Mato Grosso do Sul – e creio que todos os colegas, amigos, profissionais e verdadeiros amantes da natureza – não “jogará a toalha” e continuará atuando no combate ao tráfico dando apoio aos agentes que combatem os criminosos e tentando garantir que o máximo possível do esforço empenhado seja recompensado com a devolução dos animais ao seu devido local, a natureza.