Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena (SP)
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Faz parte do cotidiano dos centros de triagem de animais silvestres (Cetas) receber animais de entrega voluntária, resgatados e de apreensões (confisco). Para essa última categoria de recebimento, seriam interessantes algumas considerações que talvez possam explicar mais a fundo o trabalho dos Cetas e dos Cras.
Um animal silvestre mantido em situação irregular e/ou ilegal está passível de ser apreendido, dentro das regras administrativas e legais às quais os órgãos ambientais estão submetidos. A ação de apreensão basicamente torna prático e executa a mudança de guarda ou de responsabilidade pelo animal. O agente de fiscalização, ao apreender o animal, passa a ter a responsabilidade sobre aquele ser vivo e a sua correta destinação. Essa responsabilidade é transmitida para o órgão ou instituição que exerce o papel de receber esse animal.
Em situação análoga, é possível fazer uma comparação com a apreensão de bens ou objetos, que por situação de irregularidade podem ser retirados da posse de alguém e colocados sob responsabilidade de instituição depositária.
Mas quais são as similitudes e as diferenças entre a apreensão de coisas e de animais?
É evidente que a ação de apreender um objeto é muito diferente da ação do confisco de um animal. Tais diferenças, administrativa e/ou judicial, não serão aprofundadas neste artigo. Contudo, desejo discutir as diferenças relacionadas ao cuidado com aquilo que é apreendido e com o andamento ou destinação dada a objetos e dadas aos animais.
Já foi discutido e abordado aqui que os locais mais adequados para a recepção de animais apreendidos seriam os Cetas ou Cras (centros de reabilitação de animais silvestres). São as ferramentas ou equipamentos específicos que a nossa sociedade criou para atendimento aos animais silvestres advindos dos inúmeros conflitos que acarretam riscos relacionados ao bem-estar, à perda da liberdade e à incapacidade de manter as relações ecológicas tão importantes para um equilíbrio ecológico.
Por isso, um animal, quando figura como item apreendido, de forma nenhuma pode ter o mesmo tratamento de um objeto, apesar de que aos objetos/propriedades também se deve a responsabilidade pela guarda fiel e cuidadosa. Falta, no entanto, ao objeto, as características inerentes à vida.
Na vida há um encadeamento histórico, do passado, de sua origem, das necessidades presentes e atuais de cada indivíduo e das necessidades e exigências futuras – principalmente quando se aborda a destinação de um animal e o papel que cada indivíduo vai desempenhar após passar sua temporada sob guarda de um Cetas. Desta forma, um Cetas ou Cras, não obstante o fato de receber itens apreendidos, nunca deveriam ser tratados ou confundidos como depósitos de coisas apreendidas.
Muito mais que a guarda organizada e responsável pelos animais, os Cetas têm sob sua responsabilidade duas importantes atribuições: o bem-estar e a correta destinação de cada indivíduo colocado sob sua guarda. Estes dois fatores, subjetivos e carentes de materialidade, em contraposição com o próprio animal, que tem forma e matéria, ao meu ver, são mais importantes que a própria guarda do animal propriamente dita. Isso significa dizer que em um Cetas ou Cras deve prevalecer as decisões que visam o bem-estar e uma destinação adequada, em detrimento da simples permanência, guarda ou manutenção de um determinado animal em suas instalações.
Outro fato importante: as decisões e ações realizadas em um Cetas, seguindo os dois preceitos mais importante aqui defendidos, devem seguir parâmetros ou critérios daqueles que estão diretamente em seu cotidiano, ou seja, a própria equipe do centro. Em resumo, o raciocínio defende que cuidar e destinar bem os animais são tarefas sempre mais importantes que guardá-los simplesmente para quaisquer outros fins. Esse raciocínio, um tanto óbvio, confesso, deve ser usado como preâmbulo para algumas situações conflitantes que comumente se vive na gestão de centros de triagem.
Dessa forma, proponho como exercício de raciocínio o seguinte questionamento: seria adequado um Cetas receber e manter um ou vários animais até que possíveis ou potenciais deslindes relacionados aos processos administrativos e judiciais sejam levados a cabo, sendo que a permanência dos animais em suas instalações por esse motivo poderia acarretar danos aos mesmos e dificultar suas corretas destinações?
Como já foi dito, um animal não pode ser depositado em um Cetas de modo a ficar aguardando algum deslinde externo (técnico, judicial, legal, etc.). Tais fatores externos, sem que se pretenda avaliar e discutir sua relevância, nunca deverão preceder àqueles fatores mais importantes de um centro de triagem: cuidar e destinar bem. Por esse fator, considero importante estabelecer que a entrega de um animal para um Cetas deva ser considerada a destinação final no sentido de que, ao estar de sua posse e guarda, a equipe do centro deva focar prioritariamente o seu bem-estar e a sua correta destinação sem que outros fatores possam prejudicar na escala de prioridade.
Isso também significa dizer que para os animais de um Cetas, o estar bem cuidado e a possibilidade de poder cumprir bem seu papel junto à sociedade (boa destinação) devem estar em estado de prioridade tal, que torne menos importante fatores externos que acarretem uma permanência exagerada no centro e atrasos na sua destinação.
O animal, na expressão de seu bem-estar e correta destinação, tem valor em si mesmo. Nosso dever ético, como pessoas, nos deve obrigar a buscar para os outros (incluindo os animais) aquilo que procuramos para nós mesmos. Mas não podemos deixar de comentar que os animais têm o valor agregado de ganho coletivo que a sua correta destinação tem a oferecer para toda a sociedade. Um animal, solto na natureza, executando seu script ecológico (o que é sempre melhor, quando possível) ou mesmo em cativeiro legalizado, fazendo parte de um projeto de pesquisa, de manejo e/ou educação ambiental, é o que um Cetas tem a oferecer para sociedade, em contraposição ao ganho que o mesmo espécime possa a ter para uma determinada pessoa ou instituição, apenas uma fração dessa sociedade.