Por Yuri Marinho Valença
Biólogo, mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É coordenador do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) Tangará da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), em Recife, e coordenador técnico do projeto de reabilitação, soltura e monitoramento de papagaios-verdadeiros intitulado de Projeto Papagaio da Caatinga
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Há poucos meses, um surto de uma nova variação de coronavírus começou a assolar o mundo com números expressivos que já passam de duas mil mortes. O problema está perfeitamente atrelado ao manejo errado da fauna silvestre, que é usada de forma indiscriminada e sem regulamentação, pois em todo o mundo se fala em um fenômeno cultural e que por isso teria que permanecer inalterado.
A verdade é que os fatos estão aí para nos alertar.
No Brasil temos casos de epizootias (ocorrência de uma doença em um número grande de animais ao mesmo tempo e na mesma região, podendo levar ou não a morte) que vêm assolando o país de forma bem preocupante e que, na verdade, têm bases bem consolidadas na cultura e na forma de ocupação da população no meio urbano e rural.
Estamos lutando contra um surto de febre amarela há mais de dois anos que parece ter se consolidado como um fenômeno sem intermitência, que também pode estar relacionado a não modificação do modo de vida do brasileiro – o que faz com que esses surtos não sejam mais algo casual advindo de uma mudança periódica natural.
Podemos citar como exemplos do modo de vida humano que afetam diretamente esses surtos, a ocupação desordenada como a construção de condomínios grandiosos em áreas de mata para tentar replicar próximo ao meio urbano uma situação de bem estar rural. Porém, essa ocupação deveria ser uma mudança em uma área já construída por algo mais arborizado e natural e não a entrada em áreas de extrema necessidade de proteção para o bem estar da comunidade urbana vizinha, ou seja, áreas de matas preservadas.
Outro exemplo são as feiras livres de animais silvestres brasileiras que não são muito diferentes das chinesas. Enquanto lá se consomem animais mortos, aqui se consomem animais vivos e mortos e, pior, levamos os vivos advindos de florestas inabitadas por humanos para viver em companhia doméstica conosco – o que acaba levando toda uma nova carga microbiológica para o nosso convívio e os animais adquirem uma outra carga com os humanos e animais domésticos e exóticos também criados nesses ambientes.
Esses animais silvestres, que além de trazer as cargas microbiológicas adquirem outras novas, muitas vezes são soltos novamente em seu ambiente e, com isso, levam um grande risco para as populações naturais que podem ser extintas por causa dessas interferências.
Para citar algo prático, nos aqui no Centro de Triagem de Animais Silvestres Tangará, da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), temos recebido quase que diariamente saguis-de-tufo-branco (Callithrix jacchus) mortos ou bem debilitados da região metropolitana de Recife. Sendo mais especifico, tudo se iniciou em 31 de dezembro de 2019 quando, em uma única área de condomínios rurais, foram achados 12 animais da espécie mortos em uma única localidade. Seis saguis haviam sido descartados pelos próprios condôminos e com eles foi possível identificar que as mortes ocorreram devido à infecção por vírus do herpes, que é fatal para esta espécie e que provavelmente vai matar toda a população daquela região.
Com isso vemos como as interferências sem estudos prévios de impactos ou características locais de cunho cultural como feiras livres e a caça são fatores que alteram de diversas formas o curso comum das vida. Para a nossa própria espécie, é o caso do coronavírus, da febre amarela, da dengue e suas variações. Para o ambiente selvagem, é o caso do herpes, da febre amarela e de doenças exóticas trazidas para o país em fauna não nativa do Brasil, como é o caso do circovirus e bornavirus que acometem, principalmente, os psitacídeos (grupo que inclui papagaios e araras).
Por fim, podemos ver a importância dos diagnósticos de sanidade de todos os animais que entram nos Cetas. São os centros de triagem e de reabilitação as unidades sentinelas das características locais e mundiais do que circula nos animais silvestres, que hoje em dia são as principais portas de entradas e meios de aviso para as epizootias que estão acometendo o mundo.