
Por Marlon Cezar Cominetti
Biólogo, mestre e doutor em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Faculdade de Medicina pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (Famed-UFMS). É é coordenador do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS) do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) em Campo Grande.
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Tendo escrito meu primeiro artigo sobre a rotina do Cras de Campo Grande (MS), senti-me motivado para tratar sobre um agente do processo que muitas vezes é deixado em segundo plano, se não esquecido: o estagiário. Para não ser uma leitura cansativa e sem atrativos, farei um relato de caso da atuação de uma estagiária de zootecnia no cuidado de uma anta (Tapirus terrestres).
A história dessa estagiária tem um ponto importante ainda na academia. Na procura por um orientador, ela afirmou que gostaria de atuar com animais silvestres. Para sua surpresa, todos recomendaram que não fosse para essa área, pois não teria “sucesso financeiro”. Por sorte, encontrou uma orientadora que adora animais silvestres, mas, infelizmente, não era uma profissional de zootecnia. Uma triste realidade quando se escuta outros acadêmicos da mesma área desejando seguir a área de silvestres.
Uma vez que conseguiu definir o orientador, as metas e o local de atuação, suas primeiras atividades foram observar o comportamento de uma anta jovem que já estava no Cras há um certo tempo. O animal chegara muito debilitado e estava sob cuidados veterinários. Entretanto, faltava um fator que é fundamental para esses casos: atenção individual. Infelizmente, essa atenção não é possível, visto que a quantidade de animais que um Cras cuida não é fixa, tendo períodos de grande quantidade intercalados com os de baixa quantidade de indivíduos.
É nesse momento que, a meu ver, o estagiário é fundamental e deve ser valorizado como um futuro profissional. O tempo que ele pode dispender, mesmo que não as oito horas regulares de trabalho, fará diferença no final da reabilitação.
Seu trabalho foi de monitoramento do comportamento do animal nos meses de julho e agosto. Primeiramente foi observado o comportamento sem melhoramento ambiental – a maneira como o animal estava. Observou-se um comportamento apático, ficando muito tempo parado e não explorando o ambiente. Em seguida, introduziram-se estímulos sensoriais e alimentares, com destaque aos olfativos, resultando em uma mudança de comportamento sedentário para ativo.
Para melhor entendimento, o período de observação era de 1h45min, com comportamento sedentário próximo a 40 min. Após a inserção dos estímulos, esse sedentarismo passou para menos de 20 min. Os resultados só puderam ser obtidos devido a dedicação da estagiária ao animal. Obviamente que ela aprendeu tudo que pode da rotina do Cras, mas sua atenção maior para a anta garantiu uma melhora significativa na reabilitação do mamífero.
Pelas imagens é possível ver o antes e o depois da atenção individual ao animal. Essa recuperação aconteceria, mas a atenção exclusiva de uma pessoa garantiu maior velocidade no processo.
Todos que fizeram faculdade já foram estagiários. Nosso principal objetivo é aprender o máximo possível com profissionais que já estão na área que desejamos atuar e, quem sabe, até trabalhar onde estagiamos. Hoje, o Cras de Campo Grande (MS) orgulha-se de ter dois ex-estagiários em seu quadro de funcionários: a zootecnista que cuidou da antinha descrita e um veterinário que demonstrou, e ainda demonstra, grande habilidade profissional.
São esses futuros profissionais que farão a diferença e nós, que trabalhamos em área tão difícil e maravilhosa, devemos reconhecer sua importância, dando valor e orientando adequadamente.
Hoje, continuamos a receber estagiários do Brasil todo e reconhecemos, publicamente, a importância de seu trabalho no auxílio prestado à reabilitação de animais silvestres.
P.S.: A antinha foi reabilitada para natureza e eu, pessoalmente, já a vi mais de uma vez na área de soltura. Está grande e bonita. Essa é nossa recompensa.