Por Cristina Harumi Adania
Veterinária com mestrado e doutorado em Ciência Animal. É coordenadora de Fauna da Associação Mata Ciliar, que mantém um centro de reabilitação de animais silvestres (Cras) em Jundiaí (SP)
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A suçuarana Yara chegou ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres da Associação Mata Ciliar há pouco mais de 2 anos, ainda com as manchas típicas dos filhotes. Ela fora encontrada perambulando sozinha, sem a presença da mãe, em uma estrada. Sempre foi extremamente assustada e nunca se sentia à vontade quando havia pessoas por perto.
Até que, um dia, chegou Ipixuna, outro filhote da mesma idade, um pouco mais “atrevido” e, assim, brincaram muito e cresceram juntos.
A separação de Ipixuna e Yara foi gradativa. Alcançaram a fase adulta e não queríamos que se reproduzissem. Posteriormente, Yara foi para o recinto de reabilitação e lá permaneceu por sete meses. Esse grande recinto permitiu que ela fosse monitorada o tempo todo através de câmeras e que avaliássemos seu processo de reabilitação.
Yara recebeu estímulos que a obrigavam a procurar por alimentos, a se exercitar muito; estímulos que aguçavam seu comportamento de fuga quando alguém ou um veículo se aproximava e até chegou a caçar um gavião de vida livre. Desde que foi para o recinto de reabilitação, não apresentou sequer um único comportamento que não fosse considerado natural da espécie.
Finalmente, o grande dia havia chegado. Viajamos por mais de dois dias para o local de soltura, na mesma região onde ela foi resgatada quando filhote. Todo esforço valeu a pena: ela estava pronta!
Foram apenas alguns segundos, a contar da abertura da porta da caixa de transporte, mas um turbilhão de pensamentos veio à tona logo depois…
Na verdade, era Yara quem dava a nós, humanos responsáveis por tantas agressões à natureza, uma segunda chance: a possibilidade de contribuirmos com conservação da biodiversidade. No entanto, logo depois, a incerteza veio à tona, não por termos soltado uma onça, animal considerado perigoso… Mas sim por temer pela sua vida em consequência das caçadas, das queimadas, da degradação ambiental que assistimos todos os dias.
A Mata Ciliar soltou mais de 20 suçuaranas ao longo dos últimos 20 anos. Nenhuma teve a necessidade de ser recapturada, mesmo com as solturas sendo realizadas nas proximidades do local de onde foram resgatadas.
No entanto, a soltura de Yara não nos trouxe um sentimento de “missão cumprida”, mas a incerteza da nossa luta pelo meio ambiente nos dias de hoje.