Por Ingridi Camboim Franceschi
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda, sendo integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Quando realizamos um monitoramento de fatalidades em rodovias ou ferrovias, é comum que algumas espécies sejam mais registradas do que outras. Isso pode ocorrer porque algumas são mais abundantes em determinadas regiões enquanto outras são mais raras. Também pode estar associado ao comportamento das espécies com a infraestrutura linear ou devido ao tempo de resposta em evitar ou não as colisões.
Independentemente do que está associado à alta abundância de registros de determinadas espécies nos monitoramentos, a questão é que a presença de uma ou mais espécies com grande número de registros pode mascarar os padrões espaciais e temporais das outras espécies. Trago novamente o artigo que mencionei em janeiro para exemplificar essa afirmação. Relembrando que, nesse trabalho, os pesquisadores monitoraram três rodovias no estado do Rio Grande do Sul (RS-030, BR-101 e RS-040).
Durante o monitoramento, eles obtiveram muitos registros de gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris), chegando a representar 75% dos registros na RS-030, 28,3% na BR-101 e 53,3% na RS-040. Com isso, os autores decidiram explorar os padrões espaciais e temporais considerando dois conjuntos de dados: todos os registros de todas as espécies observadas e, posteriormente, todos os registros sem os casos de gambá-de-orelha-branca, com o intuito de investigar se poderia existir uma influência da espécie mais registrada nos padrões espaciais e temporais.
Para as três rodovias separadamente foi avaliado se havia agregações de fatalidades (hotspots) e quais trechos seriam estes. Os autores observaram que os resultados da análise eram diferentes entre os dois conjuntos de dados. Por exemplo, para a RS-030, ao considerar todos os registros de todas as espécies, a análise de hotspots não indicou presença de agregações, ou seja, as fatalidades eram homogêneas ao longo da rodovia. Mas ao excluir os registros de gambá, pôde-se observar padrões de agregações de fatalidades em alguns trechos. Para a BR-101 e a RS-040, notou-se que as agregações de fatalidades variavam entre os dois conjuntos de dados, isso porque quando se considerou todas as espécies a análise indicou trechos de hotspots que havia apenas registros de gambá.
Na análise temporal também houve diferença entre os conjuntos de dados para as três rodovias separadamente. Considerando todas as espécies, as três rodovias apresentaram uma distribuição não uniforme das fatalidades ao longo do ano, ou seja, havia meses com agregações de fatalidades. Contudo, ao avaliar o conjunto de dados sem os registros de gambá, as três rodovias apresentaram um padrão uniforme, indicando que não havia nenhum período do ano com maior concentração de fatalidades registradas.
Supondo que temos limitações para mitigar e precisamos decidir onde focar os recursos, considerar os padrões espaciais – trechos de agregação – e/ou padrões temporais – períodos do ano – de maior fatalidade são algumas opções. Por exemplo, ao considerar hotspots do conjunto de dados sem a espécie dominante e priorizar trechos que possam evitar fatalidade de mais espécies possíveis pode ser uma alternativa mais vantajosa. Isso não significa que a espécie dominante não será mitigada, pois ela ainda será contemplada nos trechos selecionados, porém não serão selecionados apenas trechos com essa espécie. Entretanto, diversos critérios de priorização podem ser incorporados para distribuir melhor os recursos de mitigação e permitir uma logística que alcance os objetivos do monitoramento das fatalidades.
Os resultados desse artigo demonstram que é importante explorar o conjunto de dados observados durante os monitoramentos, sempre focando na proposta de mitigação que se deseja. Se o objetivo for mitigar o maior número de espécies, por exemplo, é necessário avaliar se os trechos de maior concentração de atropelamentos contemplam esse critério. Ou se o objetivo for mitigar espécies ameaçadas, é necessário que tais espécies estejam presentes nos trechos de hotspots. É importante que o objetivo do monitoramento de fatalidade e a proposta de mitigação estejam alinhados durante a realização das análises para alcançar resultados mais precisos.
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