Por Marcelo Pavlenco Rocha
Presidente da ONG SOS Fauna, especializada no combate ao tráfico de animais silvestres
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O que mudou nos últimos trinta anos
Em 31 anos lidando com a problemática do tráfico de animais silvestres no Brasil, posso com convicção afirmar que pouca coisa tem mudado para melhor no que poderiam ser ações em prol da fauna silvestre brasileira vítima do comércio ilegal. Talvez, até muito mais tenha mudado para pior.
Quando assuntos relacionados a apreensões de animais silvestres são lançados nos meios de comunicação para que a coletividade saiba o que está acontecendo, a maioria das instituições relata que ações estão sendo feitas e que o problema está sob controle. Mas, na verdade, a realidade está muito longe disso.
Por outro lado, alguns poucos integrantes de instituições envolvidas no combate ao tráfico de fauna estão caminhando para uma espécie de choque de realidade que precisa ser passado à população. São eles que relatam em depoimentos e entrevistas que as coisas estão bem complicadas. E realmente estão!
Na época da antiga lei de proteção à fauna silvestre, a Lei Federal de nº 5197, de 1967, que vigorou até fevereiro de 1998 com a chegada da atual Lei de Crimes Ambientais (Lei n 9.605), havia certo temor por parte de quem comercializava animais silvestres em ter que dormir na jaula (cadeia), pois pela antiga legislação a pessoa poderia ser mantida presa e a cumprir pena.
Só que também as ações de fiscalização não eram tão ostensivas. Na verdade, nunca foram, mas em meados da década passada houve uma espécie de melhora na repressão, principalmente por alguns membros da Polícia Civil paulista e pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Tal fato deu uma freada em alguns traficantes da Região Metropolitana de São Paulo por causa do forte combate realizado pela Polícia Civil e na Bahia pelas ações locais da PRF naquele Estado.
Mas, infelizmente, a nova lei dos crimes ambientais, a 9.605 de 1998, pelas brandas e carinhosas penas aplicadas, vem arrastando a fauna silvestre brasileira para o buraco. Muitas pessoas que são detidas com centenas, milhares de animais silvestres dão risada ao saírem da delegacia de polícia, onde traficantes são postos em liberdade e animais permanecem presos.
Números do tráfico
Há muitos anos, mais precisamente em 1995, o WWF-Brasil citava em um de seus documentos que, anualmente, 12 milhões de animais silvestres seriam retirados das florestas brasileiras todos os anos. Anos mais tarde, a Renctas – Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres começou a divulgar que seriam 38 milhões de espécimes (indivíduos) todos os anos. Analisando as duas divulgações, nos perguntamos como tiveram a capacidade de chegar a esses números já que uma significativa parte dos animais retirados da natureza chega ao consumidor final, ou seja, o crime foi consumado? Observando por essa ótica, torna-se praticamente impossível lançar dados de algo que não se tem o controle. Seria diferente se as informações se remetessem a animais apreendidos pelas autoridades.
Em relação a números, há uma coisa bastante perceptível e que traz à tona, quando avaliada por quem conhece bem do assunto, através de semanas de pesquisa em campo, que o número de animais apreendidos é muito, mas muitíssimo menor que o número de animais traficados e que chegam ao seu destino. E embora poucos percebam isso, tal fato joga uma luz no problema, nos remetendo à realidade de que estamos perdendo a guerra contra o tráfico de animais silvestres no Brasil.
Mortes no tráfico de animais silvestres
O que aprendemos nesses mais de trinta anos é que a divulgação, por parte de instituições públicas e de órgãos de imprensa, de que para cada dez animais silvestres retirados da natureza apenas um chegaria vivo ao seu destino remete ao que ocorre depois das apreensões. Nota-se que por uma grande carência de conhecimento e de material de trabalho, uma grande quantidade de animais vem a óbito nas mãos da própria instituição pública a partir do instante ZERO de uma apreensão – fato que não acontece nas mãos de quem pratica o comércio ilegal, bastante perceptível em trabalhos de campo envolvendo infiltrações.
Está claro também que se procedimentos de primeiros socorros forem aplicados em apreensões de grande porte, lembrando que para cada caso há necessidades específicas, as taxas de óbito caem significativamente. Em resumo, se houvesse por parte de quem coordenas essas ações um trabalho dedicado para instrução de agentes bem como o fornecimento de materiais de trabalho adequados para eles, o número de mortes de animais no tráfico cairia de maneira expressiva. E cabe ainda lembrar que não basta dar treinamento e material sem que o agente público tenha vontade de praticar a ação de salvar vidas, pois seria o mesmo que jogar uma boia para quem está querendo suicidar-se.
Soltura de animais que foram apreendidos no tráfico
É fato que toda soltura gera, para a grande parte das pessoas que a presenciam, um sentimento de alegria e satisfação por ver os animais caminhando para a liberdade. Só que as coisas não são bem assim.
Temos que soltar animais da forma certa para cada espécie e nos locais corretos, obedecendo a padrões sanitários e biológicos. Não basta abrir a gaiola. Solturas geram imagens bonitas para a televisão, mas e depois? Realizar solturas bem feitas não é algo tão simples, principalmente para algumas espécies como papagaios e araras. O processo é longo e tem um custo relativamente alto.
Dos governos claramente se nota a falta de recursos financeiros e somente por isso vemos que muitas solturas são realizadas de forma bastante precária, em locais não ideais, sem ambientação dos animais e muito menos monitoramento para avaliação dos resultados. Em outros casos, vemos solturas acontecerem logo após uma apreensão, às vezes a centenas de quilômetros da origem dos animais e em biomas diferentes do que onde viviam.
Em 2004, pela primeira vez na história no estado de São Paulo, 15 anos depois do nascimento do Ibama e 37 anos após a primeira lei de proteção à fauna silvestre, a SOS Fauna levou para o semiárido nordestino, na Bahia, um pequeno grupo de aves silvestres oriundas da caatinga. Durante todos esses anos, qual teria sido a destinação dos milhares de animais silvestres provenientes da caatinga que foram apreendidos?
Finalizando
Atualmente, não conseguimos vislumbrar a curto ou médio prazo qualquer possibilidade de que o poder público, seja ele de qualquer esfera – municipal, estadual ou federal – que, sozinho, consiga solucionar ou pelo menos amenizar o problema. Há dentro da esfera pública pessoas maravilhosamente capazes de realizar grandes ações, porém, o que se nota, é que o próprio sistema provoca uma espécie de estagnação das ações e a coisa não caminha. Acreditamos com plena convicção que, pelo menos em médio prazo, se poder público e ONGs sérias e que detêm conhecimento sobre o problema trabalharem juntos, dá para virar esse jogo!
E, finalizando, lembramos que hoje se foca única e tão somente nas consequências do tráfico. A solução para as causas do problema, e que certamente pode estancá-lo, encontra-se na educação. Uma educação bem elaborada e, preferencialmente, através de políticas públicas.
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