Suspeitos de tráfico de macacos e aves no Rio de Janeiro viram réus

O sargento do Corpo de Bombeiros Fabiano Gouveia Monteiro e outras quatro pessoas investigadas pela Polícia Federal por integrarem uma quadrilha de tráfico de animais no estado do Rio de Janeiro se tornaram réus. O grupo é acusado de ser responsável pela venda de macacos-prego e outros animais capturados na natureza e por falsificar, desviar e adulterar documentos para dar aparência de legalidade ao negócio criminoso. A investigação ficou conhecida como Operação Defaunação.

Além de Fabiano, que é apontado como articulador da quadrilha, serão julgados a comerciante Gabriella Borring Piazzarolo, o tatuador Renan de Oliveira Marins (Jhonny Tatto), sua esposa, a secretária Edna Tavares de Araújo, e o ex-servidor do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea) e ex-secretário de Meio Ambiente e Urbanismo de Itaboraí (RJ), Jhonatan Ferrarez de Barros.

O Fauna News noticiou, em 12 de março, a prisão de alguns envolvidos durante a Operação Defaunação.

A quadrilha começou a ser descoberta em 17 de janeiro do ano passado quando equipes da Polícia Federal e do Ibama apreenderam dois filhotes de macacos-prego criados como bichos de estimação pela modelo e influenciadora digital Nicole Bahls. No inquérito policial da PF, ela chegou a ser indiciada por crime ambiental e receptação qualificada, mas não foi denunciada à Justiça pelo Ministério Público Federal.

De acordo com a Polícia Federal, a organização criminosa seria responsável pela venda ilegal de, pelo menos, 120 macacos-prego em um ano. Mas a ação do grupo não estava restrita ao comércio de primatas, que incluía, inclusive, animais de espécies ameaçadas de extinção, como o macaco-prego-de-crista (Sapajus robustus). As investigações indicam que havia tráfico de araras, papagaios, pássaros, cervos e iguanas. Tudo sendo oferecido por redes sociais.

A quadrilha pode ter movimentado, em um ano, de R$ 2,4 milhões a R$ 14,4 milhões, segundo a Polícia Federal.

Macacos de Nicole Bahls: o início

A ação que resultou na apreensão dos filhotes de macacos-prego criados por Nicole Bahls foi motivada pelo fato de ela ter chamado a atenção dos órgãos de fiscalização com publicações em redes sociais sobre sua rotina com os animais. No sítio da influenciadora em Itaboraí (RJ), ela informou as equipes da Polícia Federal e do Ibama ter ganhado os primatas de seu então namorado, o empresário Marcelo Chagas Viana, e apresentou as notas fiscais da suposta compra.

Imediatamente, os policiais entraram em contato com o único criadouro comercial legalizado de macacos-prego do Brasil, situado em Santa Catarina, e descobriram que nenhum animal fora vendido para Marcelo ou Nicole. Eles também constataram que as notas fiscais eram falsas.

Nicole informou aos policiais que Marcelo havia comprado os macacos de Gabriella Borring Piazzarolo, que teria se identificado como veterinária e era vizinha do empresário em Maricá (RJ). Como o endereço da suspeita, no mesmo dia a equipe localizou a residência dela, onde havia mais dois macacos-prego e duas araras-canindé.

De acordo com a Polícia Federal, Gabriella apresentou documentos falsificados dos animais e afirmou tê-los comprado do sargento Fabiano. As anilhas (anéis metálicos usados para identificar aves) que estavam nas pernas das araras também eram falsas.

Ainda no dia 17, além das declarações de Nicole e Gabriella, os policiais da Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Polícia Federal do Rio de Janeiro autuaram em flagrante o então namorado de Nicole, Marcelo. Ele confessou ter comprado um macaco de Gabriella e outro em uma feira de rua em Duque de Caxias (RJ) – um dos principais e mais conhecidos pontos de tráfico de fauna em território fluminense. A documentação falsa de ambos os animais teria sido fornecida por sua vizinha.

Marcelo foi solto após pagar R$ 15 mil de fiança. Gabriella, que em uma rede social afirma ser estudante de veterinária, atualmente está em liberdade.

Funcionários públicos envolvidos

A Polícia Federal relatou durante o inquérito que a partir de Fabiano e Gabriella começou a buscar outros envolvidos. Para os investigadores, estava claro que o grupo tinha integrantes com responsabilidades específicas, desde a caça (captura) na natureza até a falsificação de documentos públicos e notas fiscais para que os animais fossem vendidos como se tivessem origem legal.

De acordo com a Polícia Federal, os animais eram oferecidos pelas redes sociais por valores que poderiam chegar a R$ 120 mil. Dependendo do preço acertado, eles poderiam vir com documentação falsificada ou fraudada. Nicole Bahls, por exemplo, tinha macacos com notas fiscais falsas. Outros compradores identificados receberam animais com Termos de Depósito, um documento provisório fornecido a pessoas que ficam com a responsabilidade de cuidar de animais silvestres apreendidos até o poder público conseguir dar uma destinação adequada.

Durante as investigações, o nome do sargento Fabiano Gouveia Monteiro apareceu na maioria dos casos de venda ilegal de animais que foram analisados. Apontado como “pessoa central na organização”, ele tinha o contato dos demais integrantes, era responsável por receber os animais de caçadores e outros fornecedores ilegais, obter documentos falsos e termos de depósito preenchidos por funcionários públicos com informações falsas e vender os animais.

Fabiano teve a prisão preventiva decretada pela 2ª Vara Federal Criminal de Niterói e foi preso em 12 de março, na primeira fase da Operação Defaunação da Polícia Federal. Ele foi localizado no Quartel Central do Corpo de Bombeiros, no Centro do Rio de Janeiro (RJ).

Fabiano está sendo processado por associação criminosa; venda de animais silvestres sem autorização do poder público; maus-tratos a animais; receptação; falsificação e adulteração de documentos particulares; uso de documentos particulares falsos ou adulterados; adulteração, falsificação ou uso de selo público; falsificação ou adulteração de documento público; e falsidade ideológica.

A Polícia Federal afirma que os Termos de Depósito eram fornecidos a Fabiano pelo ex-servidor do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea) e ex-secretário de Meio Ambiente e Urbanismo de Itaboraí (RJ), Jhonatan Ferrarez de Barros. Ele é acusado de ter desviado os documentos do Parque Estadual da Serra da Tiririca (gerido pelo Inea) durante o período em que trabalhou no local. Ele está respondendo por associação criminosa e falsidade ideológica.

Jhonatan foi exonerado do cargo de secretário de Meio Ambiente de Itaboraí em 13 de março, um dia após a Operação Defaunação, em que a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão em sua residência. Ele não está preso.

De acordo com o Inea, Jhonatan não faz mais parte dos quadros do órgão desde fevereiro de 2022. O Instituto afirmou que “tem atuado em conjunto com a Polícia Federal e a Polícia Militar em ações de inteligência e apoio à identificação dos termos fraudados e desviados, bem como, na identificação de cativeiros clandestinos e resgate dos animais, além de medidas administrativas de avaliação da conduta dos ex-servidores que emitiram tais atos administrativos.”

Ao acolher a denúncia do Ministério Público Federal, o juiz da 2ª Vara Federal de Niterói, Fabrício Antônio Soares, reproduziu a indicação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal de que Jhonatan “destacou-se na atividade, emitindo indevidamente dezenas de Termos de Depósito (TDs) do órgão ambiental estadual, dando uma aparência de legalidade aos animais comercializados. Nos casos analisados, os animais foram recebidos de caçadores ilegais e vendidos pela quadrilha de forma totalmente irregular, já acompanhados por um termo de depósito, preenchido e assinado pelo fiscal, como forma de dar uma aparência de legalidade”.

Os vendedores

Além de Fabiano e da comerciante Gabriella Borring Piazzarolo, a Polícia Federal indica serem vendedores de animais o tatuador Renan de Oliveira Marins, famoso por tatuar jogadores de futebol e celebridades, e sua esposa, a secretária Edna Tavares de Araújo. Eles são acusados de fecharem os negócios com compradores.

“O casal Renan de Oliveira Marins e Edna Tavares de Araújo recebia animais de Fabiano, provenientes de caça ilegal, especialmente macacos-prego, e os vendia a terceiros, que conheciam através de redes sociais e de suas atividades profissionais”, reproduziu o juiz Fabrício Antônio Soares das informações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal para salientar que ambos conseguiam “dezenas de milhares de reais em cada revenda.”

De acordo com a Polícia Federal, a quadrilha é formada por mais pessoas. Nessa primeira etapa de investigações, 12 foram indiciadas, sendo que seis tornaram-se réus e outras duas estavam fazendo acordos com o Ministério Público Federal (transação penal). A Operação Defaunação continua.

Defesas

O Fauna News tentou entrar em contato com o advogado de Fabiano, mas não obteve resposta. Gabriella e Jhonatan não retornaram nossas tentativas de ouvi-los.

A defesa de Renan e Edna informou “haver excesso acusatório” e que o casal não conhece os demais réus. “Eles, seja por que meio for, jamais expuseram à venda, promoveram a inserção de dados/informações em talonários de depósitos ou se utilizaram de documentos públicos falsos, no intuito de ludibriar ou se beneficiar indevidamente. (…) Todas as imputações será rebatidas em momento oportuno, onde demonstraremos a indubitável ausência de culpabilidade ou que tenham, de algum modo, concorrido para prática das infrações penas tingidas na denúncia”, relatou o advogado André Siqueira.