Por Lígia Takau
Repórter
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Nos últimos anos, a vontade das pessoas em adquirir primatas para serem criados como bichos de estimação tem aumentado devido, principalmente, à exibição desses animais nas redes sociais por formadores de opinião e celebridades. Foi pensando em abrir o diálogo com a sociedade e esclarecer por que macacos não devem ser mascotes que a Sociedade Brasileira de Primatologia (SBPr) lançou, em janeiro, a campanha “Eu Não Sou Pet”.
A campanha conta com a publicação de vídeos curtos no Facebook, Instagram e Twitter com mensagens informativas de diversos profissionais que integram a SBPr. Haverá também a realização de uma mesa redonda virtual, às 17h de 22 de fevereiro, no canal da entidade no YouTube com especialistas que abordarão e debaterão os problemas que envolvem a criação de macacos como bichos de estimação.
O presidente da SBPr, Gustavo Canale, explica que “a intenção da campanha é muito mais de esclarecimento para que a população tenha informações mais qualificadas a respeito da crueldade que é a manutenção de macacos como pet do que de combate a posicionamentos específicos”. Assim, o principal objetivo é atingir as pessoas que estão pensando em adquirir primatas e os tomadores de decisão que podem barrar a comercialização desses animais como bichos de estimação.
A SBPr é contra a manutenção de primatas como pets por concluir, ao longo de anos de pesquisas, que esses animais entram em sofrimento profundo quando mantidos em cativeiro. “Enquanto seres sociais, os primatas necessitam da convivência com indivíduos da mesma espécie para se desenvolverem na sua plenitude. Quando isso não acontece, passam a desenvolver comportamentos estereotipados, agressivos, podendo até levar à morte em casos extremos de estresse”, elucida Canale, que é biólogo e trabalha com macacos há mais de 20 anos.
Esses comportamentos também foram mencionados pelo primatologista e professor na Universidade Federal de Viçosa (UFV), Fabiano Rodrigues de Melo. “Todo animal selvagem tem um risco intrínseco de provocar acidentes em casa por comportamentos imprevisíveis. Podem causar ferimentos graves, colocar em risco a vida das pessoas que cuidam deles, transmitir doenças, assim como nós também podemos transmitir doenças a eles”. Um exemplo que chama atenção é o caso da herpes humana, enfermidade fatal para a maioria dos primatas neotropicais.
Na maioria das vezes, os macacos adquiridos para serem pets, seja de criadouros comerciais legalizados ou de traficantes de fauna, chegam na casa das pessoas ainda filhotes e conforme vão atingindo a maturidade sexual seu comportamento muda, gerando territorialidade e agressividade. Assim, macacos que, no início são criados soltos em casa, acabam sendo isolados, acorrentados nos fundos dos imóveis ou presos dentro de gaiolas. Quando não, vendidos ou abandonados.
Pensou que seria como um bebê. Enganou-se
A empresária e influenciadora digital residente em Canoas (RS), Natália de Andrade Andreghetto, de 32 anos, é tutora há cinco anos de um macaco-prego e experienciou essa mudança de comportamento com o animal nomeado por ela de Benjamin. Ele foi comprado no único criadouro comercial legalizado da espécie no Brasil, que funciona em Santa Catarina.
Natália ganhou Benjamin de seus pais que, na época, pagaram R$ 70 mil por ele. Ela conta que antes de ter o macaco, tinha a imagem de que seria como um bebê ou um cachorro ainda mais inteligente. No entanto, hoje, sua concepção é completamente contrária e usa sua influência nas redes sociais para disseminar a ideia de que macaco não é pet, compartilhando seus momentos desafiadores com Benjamin.
Por ter os recursos necessários para construir um recinto grande para o seu macaco, realizar treinamentos e lidar com gastos veterinários, Natália se considera uma pessoa apta a ter um macaco-prego. Por isso diz não se arrepender, uma vez que conseguiu se adaptar a ele. “Parei de vestir Benjamim com roupinha e de postar só coisas fofas. Comecei a postar os estragos na minha casa e a contar que ele mordia. Faço vídeos de conscientização e acho que pelo menos umas 50 pessoas já desistiram de comprar macacos porque viram essa minha realidade”, relata Natália.
A comercialização legalizada de primatas, como macaco-prego e sagui, é possível no Brasil. Ela ocorre por meio de criadouros com permissão dos órgãos ambientais dos Estados para reprodução e venda dos animais. O Fauna News tentou entrar em contato com o proprietário do criadouro de macacos-prego de Santa Catarina e com o de um criadouro de saguis em Cotia (SP) para saber a opinião deles sobre a campanha, mas não obteve respostas.
Além de defender que macacos não devem ser criados como pets, a SBPr entende que criadouros são prejudiciais para esses animais por conta da separação precoce que mães e filhotes sofrem para que seja feita a venda dos animais ainda jovens. “Isso restringe todo o desenvolvimento das capacidades emocionais, afetivas e de cognição dos primatas na fase inicial da vida”. Canale também menciona a preocupação da entidade com o comércio legalizado por conta da sua relação com o tráfico de animais silvestres.
“O tráfico acaba sendo beneficiado pelo comércio legal pelo estímulo às pessoas para que tenham macacos como pets, fazendo com que quem não tem condição de comprar animal legalizado acabe buscando métodos ilegais por um preço mais barato”. Segundo Canale, vários estudos têm demonstrado que em algumas situações o comércio permitido pode servir como uma forma de legalizar os animais oriundos do tráfico e os primatas são grandes vítimas do mercado ilegal nacional e internacional de fauna.
Não só os primatas: #AnimalSilvestreNãoÉPet
Para evitar que as pessoas adquiram animais silvestres para criá-los como bichos de estimação, a ONG Proteção Animal Mundial tem como meta para 2021 sensibilizar e convencer as principais redes de pet shops a pararem de vender animais silvestres. O gerente da Vida Silvestre na ONG, João Almeida, diz que se trata de “uma meta ousada, porém necessária para que consigamos começar a atingir nossos objetivos”. Desde 2019, a Proteção Animal Mundial mantém a campanha “Animal Silvestre Não É Pet“, que tem os mesmos objetivos da SBPr.
Algumas pessoas, a favor da comercialização legalizada de animais silvestres para o mercado pet, indicam-na como prática ética responsável que auxilia na conservação dos animais silvestres. Para João, o argumento não se sustenta porque as espécies mais comercializadas são as mesmas mais traficadas e apreendidas pelos órgãos de fiscalização. “O que acontece é que o mercado legalizado acaba estabelecendo padrões sociais e de consumo, gerando vontade nas pessoas e elas, caso não tenham dinheiro para comprar pelo comércio legalizado, vão procurar no mercado ilegal”.
Para o professor Melo, da UFV, o manejo de fauna, portanto o manejo de primatas, precisa ser feito de alguma forma. “Eu não diria que precisamos ter manejo comercial e transformar bichos em pet, mas a gente tem que achar soluções para manejo adequado, que possa promover renda para as pessoas envolvidas e assim auxiliar na conservação de maneira geral”. A ideia, nesse caso, seria transformar a fauna em um ativo ou recurso para que as pessoas deem valor à natureza e passem a proteger o habitat natural e as espécies selvagens que vivem ali, o que, para o primatologista, auxiliaria na conservação das espécies.
Lista Pet
Desde 2016, a elaboração da lista de espécies que poderão ter animais legalmente reproduzidos e comercializados para serem criados como bichos de estimação está em discussão no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A confecção da listagem, que ficou conhecida como Lista Pet, foi determinada em 2007 por uma resolução do conselho.
A Lista Pet sempre foi alvo de muita polêmica e críticas. Por parte de muitos ambientalistas e militantes do movimento de proteção animal, indivíduos da fauna silvestre não devem ser criados como pets pelo fato de as espécies não terem passado pelo processo de domesticação, por envolver sofrimento em cativeiro, oferecer risco às pessoas e até incentivar o tráfico. Já os criadores legalizados sempre se mostraram insatisfeitos pelo fato de que algumas espécies de interesse deles não serem incluídas na listagem.
A Proteção Animal Mundial está envolvida nas discussões que acontecem no Conama e, segundo Almeida, “sempre promovendo esse tipo de debate para que a lista se torne zero”. Ou seja, que animais silvestres não sejam comercializados.
Canale relata que a SBPr não foi oficialmente consultada ou convidada para a elaboração da lista. Ele afirma ter tido conhecimento de que primatas, inclusive de espécies ameaçadas de extinção, estão sendo incluídos na listagem. A entidade é contra a inclusão de qualquer primata brasileiro em uma lista que permita a comercialização e a criação desses animais como bichos de estimação.
https://www.youtube.com/watch?v=2QkUDwA__h0
Primeiro vídeo da campanha #EuNãoSouPet