Biólogo, mestre e doutor em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. Consultor ambiental, especialista em monitoramento de fauna e perito ambiental. Foi conselheiro da Sociedade Brasileira de Ictiologia e da da Comissão Mista de Espécies Introduzidas do Ministério do Meio Ambiente/Sociedade Brasileira de Ictiologia (MMA/SBI)
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Vimos no artigo anterior que a sobrepesca é a sinalização da insustentabilidade da atividade pesqueira, decorrente do aumento do esforço de captura sem nenhuma garantia da reposição dos estoques, afetando diretamente a economia local e a geração de trabalho e renda. Cientistas alertam que estamos ultrapassando os limites da pesca nos oceanos e nas águas continentais. Os atuais níveis de captura não consideram as recomendações técnicas e científicas, levando a atividade ao colapso. Nesse cenário de redução dos estoques, pescadores buscam manter os índices de captura e acabam burlando as normas de acesso.
Efeitos econômicos da sobrepesca
A sobrepesca gera um custo econômico significativo, podendo afetar o desempenho de toda a atividade pesqueira em uma determinada região. A rápida e excessiva remoção de peixes faz com que as capturas excedam o rendimento econômico máximo, o que torna a atividade economicamente inviável.
O limite da sobrepesca é comumente definido como o ponto em que o esforço de pesca excede o lucro total da pescaria; ou seja, a quantidade de peixes capturados não paga os custos operacionais de captura, armazenamento e transporte. Uma definição mais dinâmica da sobrepesca econômica também considera o valor presente da pesca, através de uma relevante taxa de desconto para maximizar o fluxo de renda do recurso sobre todas as capturas futuras.
A ocorrência de sobrepesca econômica se evidencia quando os recursos da pesca não estão sendo utilizados na forma mais eficiente. Ou seja, o manejo, se existir, é ineficaz. Se os recursos pesqueiros fossem manejados de forma sustentável, a produção total poderia aumentar em 10 milhões de toneladas métricas, ou seja, uma receita bruta adicional de US$ 16 milhões por ano. Nos EUA, a recuperação dos estoques sobreexplotados e a prevenção da sobrepesca em outras áreas poderiam gerar uma receita adicional de US$ 3 bilhões a US$ 3,5 bilhões. Portanto, o manejo sustentável da pesca marinha nas 200 milhas de zona econômica exclusiva dos EUA (sua maior fonte de pesca) poderia praticamente dobrar suas receitas.
As informações de diferentes pescarias confirmam o prognóstico da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que afirmou que os recursos pesqueiros globais frente às tendências atuais da pesca apontam um colapso súbito e gradual dos estoques. O excesso de capacidade da frota pesqueira mundial é a principal causa da diminuição dos estoques mundiais de peixes. Muitos estudos indicam que, em esfera mundial, a capacidade pesqueira deva ser reduzida, ou seja, há “barcos demais para peixes de menos”.
Esse excesso de capacidade da frota pesqueira mundial causou uma migração excessiva de embarcações para as áreas de pesca abertas, levando a uma “corrida pelo peixe” – quando todos os pescadores tentam capturar o máximo que podem no menor tempo possível antes que a cota seja atingida. A “corrida pelo peixe” leva a uma saturação temporária do mercado e reduz os preços para os pescadores ao mesmo tempo em que cria problemas de abastecimento para os compradores no longo prazo. Também leva ao excesso de capacidade no setor de processamento e reduz os benefícios econômicos para o consumidor.
É provável que o único elemento constante na pesca seja a incerteza. Para contrapor, a indústria pesqueira tem recebido, por parte dos governos, tratamento diferenciado dos demais segmentos econômicos. A competitividade do setor pesqueiro em muitos países é mantida por subsídios governamentais, incluindo tratamento fiscal, creditício e de financiamento diferenciados daqueles praticados no mercado. Entretanto, os incentivos econômicos são, com freqüência, incompatíveis com os objetivos da política pesqueira atual. Essa falta de harmonia é mais pronunciada onde os incentivos econômicos encorajam a expansão das frotas pesqueiras, que já são grandes demais, e estimulam uma “corrida pelo peixe” que não é racional do ponto de vista biológico e nem prudente do ponto de vista comercial.
Os países devem apoiar o desenvolvimento de medidas para resolver o excesso de capacidade das frotas pesqueiras. Essa foi a principal causa do colapso da população de bacalhau na Nova Inglaterra e da crise nas áreas de pesca no Pacífico e no Alasca no passado recente. Os subsídios também representam uma ameaça aos países em desenvolvimento, pois ajudam a financiar ciclos de manejo inadequado que acabam deixando milhares de pescadores desempregados.
O setor público também pode exibir custos significativos relacionados com a sobrepesca. É difícil saber os custos totais, mas à medida que os estoques vão sendo sobreexplotados, a regulamentação se torna mais complexa, exigindo maior controle e fiscalização – o que aumenta os custos de gestão pelo setor público.
Os custos para o setor público dos subsídios oferecidos ao setor pesqueiro e aqueles envolvidos na redução da capacidade excessiva, assumidos pelo poder público por meio de programas de recompra de navios com financiamento público, são extremamente preocupantes.
No mundo todo, os subsídios anuais para o setor pesqueiro estão estimados entre US$ 14 bilhões e US$ 20 bilhões. Estes subsídios reduzem os custos fixos e variáveis ou aumentam as receitas, mas também distorcem o comércio e prejudicam a concorrência nos mercados globais de peixes e frutos do mar. Graças a estes subsídios, teoricamente, a produção pesqueira aumenta e os preços caem.
Subsídios tão altos certamente contribuem para aumentar as falhas no manejo. Esses subsídios têm a finalidade de reduzir os custos fixos e variáveis, melhorar as receitas e diminuir os riscos. Portanto, eles encorajam ainda mais o esforço adicional e os investimentos em áreas pesqueiras sobreexplotadas e esgotadas que tendem a predominar no mundo desenvolvido.
A captura acidental excessiva, que freqüentemente acompanha a sobrepesca, também acarreta custos econômicos ao setor. Tais custos incluem a queda da produção de alimentos nas áreas direcionadas para exemplares adultos de espécies que são descartadas na fase juvenil em outras áreas de pesca, a diminuição do emprego nas áreas de pesca e em fábricas de processamento e as perdas correspondentes nas comunidades dependentes da pesca.
Sob o ponto de vista econômico, controlar a sobrepesca permite a recuperação dos estoques, aumento da produtividade e maximização das receitas do setor no longo prazo. Para os economistas, controlar a sobrepesca é uma medida necessária e urgente para a estabilização econômica do setor. Mas os investimentos, nessa direção, são mínimos.
Efeitos sociais da sobrepesca
Devido à sobrepesca, cerca de 80% das espécies de peixes do mundo estão ameaçadas, com prejuízos previsíveis aos ecossistemas aquáticos e, sobretudo, para as pessoas que dependem dessa atividade como fonte de proteína. A União Europeia está tentando intervir e fixar cotas de pesca mais rigorosas e coibir condutas predatórias, mas os outros continentes, quando muito, se limitam a observar. A União Europeia tem defendido, em suas políticas, que a sobrepesca é uma externalidade negativa da produção; ou seja, que a produção de um bem ou serviço tem um impacto negativo em relação a terceiros.
Peixe em águas internacionais é um exemplo de um recurso comum, um recurso que é rival (quando há competição), mas não-excludente (uma pessoa não pode ser excluída usando o bem). Assim, os pescadores agem em seu próprio interesse, tanto quanto possível, para impedir que outros pescadores possam competir pelo recurso. Historicamente representada como a tragédia dos comuns, a pesca, através de auto-interesse, pode levar à destruição de um recurso compartilhado e limitado, pois apenas alguns pescadores terão o benefício, mas os custos serão distribuídos a todos. Para entendermos os custos sociais da sobrepesca, analisemos o gráfico abaixo.
O ponto socialmente justo (ideal) é a quantidade Q0. Entretanto, a falta de percepção de limites fez com que pescadores capturassem a quantidade QA. Essa falta de limites criou uma falha de mercado. Em QA, o custo marginal social (ponto C) é maior do que o custo marginal privado (ponto D). A produção está em um ponto onde o custo para a sociedade é muito maior do que o custo para os pescadores.
A Comunidade Europeia postula que as cotas de pesca sejam definidas com base em recomendações científicas e que muito em breve seja proibido descartar peixes capturados ao mar. Essas medidas buscam aumentar os custos marginais privados dos pescadores e, hipoteticamente, reduzir as externalidades negativas. Com as restrições e proibições, os pescadores terão que gastar dinheiro para satisfazer os padrões estabelecidos pelo governo e, assim, aumentarão os seus custos. A quantidade é reduzida de QA a QB e a perda de bem-estar é, portanto, ao mesmo tempo reduzida, fazendo com que o mercado se movimente e se aproxime da quantidade socialmente ótima. O papel do governo é garantir que os pescadores simplesmente não possam internalizar os seus custos.
Embora a utilização de cota de captura seja considerada como medida restritiva de acesso, ela podem contribuir para frear a sobrepesca. Entretanto, em algumas situações, os custos para avaliar cientificamente os requisitos de uma cota ideal podem ultrapassar os custos da sobrepesca, inviabilizando tal medida.
Alguns acreditam que a privatização ou a nacionalização de grandes áreas oceânicas, como estratégias de limitação de acesso, possam reduzir a sobrepesca. Embora tais medidas possam potencializar os conflitos de interesse entre nações, os peixes estariam excluídos, o que significa que os governos ou empresas privadas poderiam ter o controle sobre os pescadores que, teoricamente, estariam autorizados a pescar em suas águas. Para muitos, essa medida poderia neutralizar também o principal efeito da sobrepesca – o descarte (bycath).
Ao proibir os pescadores de descartar a captura acidental ou de baixa qualidade, haveria menos incentivo para o uso de redes de arrasto e mais incentivos ao desenvolvimento de técnicas de pesca seletiva. Entretanto, há de se considerar que os custos das pescarias aumentariam, o que tornaria tal medida inviável economicamente.
Vimos que a sobrepesca traz efeitos sociais gravíssimos. Os pescadores estão removendo muito mais peixes dos mares e rios, sem dar o devido tempo para a sua reposição. Isto significa que o custo marginal privado (o custo para os pescadores capturarem outro peixe) é inferior ao custo marginal social (o custo para a sociedade capturar outro peixe). Os pescadores estão externalizando seus custos por dumping, através do descarte de peixes sem qualquer interesse econômico e no uso de petrechos de baixa seletividade. Para a sociedade, a sobrepesca é desastrosa: os custos econômicos dessa prática para os países que compõem a Comunidade Europeia devem chegar a € 40 bilhões por ano!
No Brasil, infelizmente não há estatísticas confiáveis que nos permitam uma avaliação detalhada da sobrepesca. Entretanto, não precisa ser um especialista em biologia pesqueira para comprovar a sua existência. Basta olhar os seus efeitos biológicos, econômicos e sociais. Na dúvida, converse com um pescador!
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