Sobre crianças, joaninhas e moscas

Animações televisivas e para cinema são ótimas para entreter e ensinar.

Elidiomar Ribeiro da Silva

Licenciado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), sendo responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural.
Entomólogo, tem carreira centrada no estudo da taxonomia das ordens Ephemeroptera, Hemiptera e Lepidoptera, sendo que recentemente vem se dedicando ao estudo da presença simbólica de animais nas manifestações culturais, a chamada zoologia cultural. Com mais de cem artigos científicos publicados, cerca de 200 trabalhos apresentados em congressos científicos, nove livros editados e sete capítulos de livros, orientou dez dissertações de mestrado e três teses de doutorado. É idealizador e editor do periódico A Bruxa, uma revista de biologia cultural, e do fanzine sobre ciência Homem-Leoa. É também o criador e organizador do Colóquio de Zoologia Cultural e da Mostra de Biologia Cultural.

18 de outubro de 2023

FAUNA NEWS - Animações com insetos para entreter e ensinar.

Outubro é mês de duas grandes celebrações populares em uma única data, o dia 12, ambas já tratadas neste nosso espaço: o Dia de Nossa Senhora Aparecida [1], padroeira do Brasil, e o Dia das Crianças [2]. Por falar nessas últimas, há algumas animações infantis e infantojuvenis que incluem insetos, o que pode ser um ótimo instrumento para utilização em sala de aula, com vistas não só a instruir, mas também suavizar um pouco a antipatia popular acerca do grupo, tudo isso dentro dos bons preceitos da Zoologia Cultural [3].

Do ponto de vista didático, filmes podem ser utilizados em todos os níveis acadêmicos. Em disciplinas ligadas à História Natural e à Ciência, seu uso é particularmente interessante, visto que há estudos indicando que a assimilação do conhecimento científico é mais efetiva quando se usa elementos da vida cotidiana do estudante [4].

Um dos filmes mais badalados para essa função é Vida de Inseto [5], da Disney. Mas aquele que eu, particularmente, considero mais adequado ao uso didático é Minúsculos – O Filme (Minuscule – La Vallée des Fourmis Perdues, no original) [6], longa-metragem inspirado em uma série de animação televisiva francesa criada e dirigida por Thomas Szabo e Hélène Giraud e produzida pela Futurikon, que tem insetos como protagonistas e conta com a participação de outros bichinhos. Os 78 episódios, produzidos de 2006 a 2008, têm uma média de cinco minutos de duração cada, combinando animação 3D e imagens de paisagens naturais, sem diálogos ou comentários.

O sucesso da série motivou o lançamento do longa-metragem, em 2013, de 89 min de duração e que manteve as características técnicas, tendo como locais de filmagem os parques nacionais de Écrins e Mercantour, na França. Em linhas gerais, o filme conta a história de uma joaninha perdida de sua família e que faz amizade com pacíficas formigas pretas. Em meio a restos de guloseimas de um piquenique, uma lata com torrões de açúcar passa a ser alvo da cobiça de formigas rivais, vermelhas. Assim, os três personagens principais são insetos comuns em bosques e jardins europeus: a joaninha Coccinella septempunctata (ordem Coleoptera, família Coccinellidae), as formigas pretas da espécie Lasius niger e as vermelhas, da espécie Formica rufa (ordem Hymenoptera, família Formicidae).

Com riqueza visual de detalhes, o filme tem potencial para encantar a todos. Inclusive aqueles não tão admiradores dos insetos, abrindo boas possibilidades de utilização acadêmica, dentro de temas que vão desde os mais específicos, ligados à Zoologia (como a caracterização morfológica dos personagens) até conceitos biológicos gerais (alimentação, predação, competição, mutualismo, colonialismo, reprodução, ciclo de vida, dentre outros). E, ainda por cima, há “crianças” no filme, o que pode ser aqui exaltado até mesmo como uma homenagem ao mês em que se celebra o Dia das Crianças.

Usando os “erros” para ensinar

Curiosamente, dois dos maiores erros biológicos presentes em Minúsculos – O Filme dizem respeito aos insetos juvenis. No início da história, um casal de joaninhas aparece junto a três ovos, dos quais nascem pequenas joaninhas, miniaturas exatas dos adultos. Logo depois do nascimento, as pequenas joaninhas já estão voando, após um breve aprendizado. Mais adiante no filme, um outro inseto imaturo aparece, um filhote de mosca (ordem Diptera), também igualzinho aos adultos, só que menor.

Nesse ponto, vale à pena mencionar um importante aspecto do ciclo biológico das joaninhas (que são um tipo de besouro), bem como das moscas e de grande parcela dos insetos em geral. Besouros, moscas, borboletas, formigas e a grande maioria dos insetos são biologicamente classificados no gigantesco grupo dos holometábolos. Nele, o ciclo de vida inclui, na sequência, as fases de ovo, larva, pupa e adulto, passando pela chamada metamorfose completa, com drásticas transformações corporais de uma fase para outra. Assim, no mundo real das joaninhas e moscas, o que seria equivalente a “filhotes” ou “crianças”, são as larvas, completamente diferentes em relação aos adultos.

Assim, como em qualquer produção ficcional, Minúsculos não é totalmente fiel ao mundo real e biológico. O que, de forma alguma, representa uma crítica à obra, que não é obrigada a seguir à risca a realidade, e nem inviabiliza seu uso em sala de aula. Muito pelo contrário, produções culturais desse tipo não só podem, como devem, ser utilizadas na escola, com as devidas correções sendo feitas pelo professor e com a participação direta dos alunos [3], que passam a ser – na verdade, já são – agentes diretos da construção do conhecimento. Sim, crianças e professores humanos têm muito a aprender (e ensinar) com as “crianças” joaninhas e moscas.

Animações com insetos para entreter e ensinar. — Uma “criança” joaninha real, que é bem diferente do papai e da mamãe. Pelo menos até crescer totalmente – Foto: Michael Palmer/CC BY-SA 4.0 DEED

Referências

[1] https://faunanews.com.br/a-senhora-dos-insetos/
[2] https://faunanews.com.br/os-insetos-no-ludico-universo-das-criancas/
[3] DA-SILVA, Elidiomar R. & COELHO, Luci B.N. 2016. Zoologia Cultural, com ênfase na presença de personagens inspirados em artrópodes na cultura pop. In: Da-Silva, E.R. et al. (ed.). Anais do III Simpósio de Entomologia do Rio de Janeiro. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), p. 24-34.
[4] CARDOSO, João C.F. et al. 2013. Na teia do conhecimento: a biologia das aranhas trabalhada por meio do ensino por projetos. Em Extensão 12(1): 89-105.
[5] OLIVEIRA, Ana Beatriz R. et al. 2016. Análise do filme de animação “Vida de Inseto” à luz da Biologia Animal. In: Da-Silva, E.R. et al. (ed.). Anais do III Simpósio de Entomologia do Rio de Janeiro. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, p. 166-181.
[6] COELHO, Luci B.N.; & DA-SILVA, Elidiomar R. 2015. Análise de “Minúsculos: o Filme” à luz da biologia animal. In: Cassab, M. et al. (ed.). Anais do Encontro Regional de Ensino de Biologia – Regional 4. Universidade Federal de Juiz de Fora, 13 p.

Sobre o autor / Elidiomar Ribeiro da Silva

Licenciado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), sendo responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural. Entomólogo, tem carreira centrada no estudo da taxonomia das ordens Ephemeroptera, Hemiptera […]