Uma pesquisa fez o primeiro levantamento científico das espécies de aves residentes, endêmicas e migratórias, do vale da Quietude, localizado em Ibiúna (SP), município que fica a cerca de 70 quilômetros da cidade de São Paulo, na serra de Paranapiacaba – uma região da serra do Mar que se estende pelo sul do Estado. O inventário, publicado em 20 de dezembro no periódico Revista do Instituto Florestal, registrou 239 espécies, preenchendo uma lacuna no conhecimento sobre a biodiversidade local.
A Mata Atlântica, bioma no qual a região está inserida, é estudada ornitologicamente há cerca de 200 anos. Mas ainda há áreas com pouca ou nenhuma informação sobre a biodiversidade, que é grande e varia de acordo com características locais, como hábitat, temperatura e altitude.
“A serra de Paranapiacaba passou por processos de desmatamento no passado e hoje encontramos ali florestas muito bem preservadas e outras que estão se recuperando. Como a mata atlântica tem uma elevada biodiversidade, esperávamos encontrar uma quantidade grande de aves, mas conseguimos registrar ainda mais do que imaginávamos”, conta o ornitólogo Fabio Schunck, do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos e autor do artigo.
Entre as 239 espécies registradas na área, entre os anos de 2022 e 2023, duas delas estão ameaçadas de extinção: a saíra-sapucaia (Stilpnia peruviana) e o tauató-pintado (Accipiter poliogaster), um tipo raro de gavião florestal.
Isso demonstra que a área, uma propriedade particular, está protegida e que as aves estão seguras ali — podem se reproduzir e viver tranquilamente para que tenham a possibilidade de sair da lista de espécies ameaçadas”, diz Schunck.
As espécies encontradas na área analisada seguem o padrão existente na região adjacente ao norte da serra do Mar. Assim, a pesquisa acrescenta mais uma peça ao quebra-cabeças do conhecimento sobre a biodiversidade local, indicando que a mudança de espécies na serra de Paranapiacaba começa a ocorrer em algum limite mais ao sul.
“Avançamos com esse estudo, mas novas pesquisas na região precisam ser feitas para determinar melhor onde está esse limite entre as distribuições geográficas das espécies e caracterizar com maior precisão a biodiversidade da serra de Paranapiacaba”, afirma o cientista.
Trabalho com ciência cidadã
A pesquisa de campo foi feita em quatro visitas entre abril de 2022 e agosto de 2023. Cada visita durou sete dias e aconteceu em uma estação diferente do ano para ampliar a variedade de espécies detectadas e suas sazonalidades de ocorrência. Os registros foram feitos em foto e áudio do canto das aves. O pesquisador contou ainda com o suporte de informações geradas por pessoas que não são cientistas para analisar a biodiversidade do local, prática conhecida como ciência cidadã.
Ao longo dos últimos nove anos, observadores de aves registraram em uma plataforma digital própria para dados do tipo, o eBird, a presença de 238 espécies na região do vale da Quietude. Juntando os dados coletados em campo com aqueles disponíveis on-line na plataforma, o número de espécies de aves com algum registro chega a 259.
Segundo o pesquisador, o levantamento ajuda a fomentar a observação de aves, atividade ligada ao turismo ecológico que cresce no país e ajuda a conservar florestas e animais. O catálogo de aves que vivem ali pode atrair os praticantes da atividade, gerando novas fontes de renda para a região e fortalecendo a conservação da natureza local. “Queremos que a região passe a ser frequentada por observadores de aves, que vão registrar novas espécies e ampliar esse inventário. Esse é um processo contínuo”, diz.
Os registros feitos por Schunck também foram disponibilizados no eBird para incentivar a visita de observadores e fornecer dados para outras pesquisas feitas em qualquer lugar do planeta.