Por Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
Os saguis são bastante conhecidos dos brasileiros. Principalmente por estarem entre os principais primatas criados como bichos de estimação no país, o que fez e faz com que as diferentes espécies desse grupo de pequenos mamíferos sejam introduzidas em regiões onde naturalmente não ocorriam ou ocorrem.
Ultimamente, duas espécies de saguis têm chamado a atenção de pesquisadores e conservacionistas pelo grau de ameaça a que estão submetidas: a Callithrix flaviceps (sagui-de-serra) e a Callithrix aurita (sagui-da-serra-escuro). Juntas são conhecidas como saguis-da-serra e alvo dos trabalhos do Programa de Conservação dos Saguis-da-serra da Universidade Federal de Viçosa (MG), que tem como uma de suas principais atividades o Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra (CCSS).
O coordenador do CCSS Fabiano Rodrigues de Melo relatou para o Fauna News como estão os trabalhos para a conservação das duas espécies que está sendo desenvolvido em Minas Gerais. Biólogo, mestre em Genética e Melhoramento e doutor em Ecologia (Conservação e Manejo da Vida Silvestre), Melo tem pós-doutorado em Antropologia pela Universidade de Wisconsin (EUA) e atualmente é professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Ele já foi presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia e atua como coordenador para o Brasil do Grupo de Especialistas em Primatas associado à Comissão de Sobrevivência de Espécies (PSG/SSC, sigla em inglês) da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês).
Fauna News – Antes de começarmos a abordar diretamente o sagui-de-serra (Callithrix flaviceps) e o sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita), é possível fazer uma abordagem geral sobre os saguis? São quantas espécies, quantas (e quais) são nativas do Brasil e como estão os estados de conservação das “brasileiras”?
Fabiano Rodrigues de Melo – Existem seis espécies de saguis do gênero Callithrix e todas são nativas do Brasil. Em Minas Gerais, ocorrem naturalmente cinco dessas seis espécies, apenas o sagui-do-Nordeste não é nativo da região. Como o próprio nome sugere, essa espécie pertence à região Nordeste do Brasil, entretanto ela foi introduzida em várias outras regiões do país. Os saguis-da-serra (Callithrix aurita e Callithrix. flaviceps) são as espécies de Callithrix mais ameaçadas atualmente, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente e com a IUCN. Ambas são consideradas “em perigo” de extinção, tanto no Brasil quanto no mundo.
Fauna News – Sobre as duas espécies de saguis-da-serra, a Callithrix aurita (sagui-da-serra-escuro) está mais ameaçada. Essa espécie já foi bem estudada?
Fabiano Rodrigues de Melo – Atualmente, a Callithrix aurita é considerada uma das 25 espécies de primatas mais ameaçadas do mundo. Devido a isso, muitos esforços têm sido feitos para protegê-la, muitos estudos e pesquisas também vêm sendo feitos para podermos conhecer melhor as particularidades do aurita e assim conseguirmos, efetivamente, traçar medidas efetivas para sua conservação. Essa espécie habita regiões de Mata Atlântica dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, alcançando a região de transição entre Mata Atlântica e Cerrado no interior de São Paulo, onde habita matas ciliares e cerradões.
Fauna News – A Callithrix aurita (sagui-da-serra-escuro) está na lista das 25 espécies mais ameaçadas do mundo. Como foi elaborada essa lista?
Fabiano Rodrigues de Melo – Essa lista foi elaborada durante uma reunião aberta realizada no 27º Congresso da Sociedade Internacional de Primatologia (IPS), em Nairobi, em 22 de agosto de 2018. Sendo que essa publicação foi realizada a partir do esforço de vários pesquisadores, nacionais e internacionais, e instituições, como o Grupo de Especialistas em Primatas (PSG/SSC) da IUCN, a International Primatological Society, a Global Wildlife Conservation, e a Bristol Zoological Society.
Fauna News – O Callithrix flaviceps (sagui-da-serra) tem sido alvo de pesquisas acadêmicas? Qual o estado de conservação dela, sua população e área de abrangência?
Fabiano Rodrigues de Melo – O Callithrix flaviceps ainda é uma espécie pouco estudada, mas existem sim algumas pesquisas em andamento. O CCSS visa conseguir a manutenção e reprodução dessa espécie em cativeiro, com objetivos de reintrodução e conservação. Atualmente, não existe nenhuma colônia cativa dessa espécie, que assim como o aurita é considerada “em perigo” extinção. Essa espécie apresenta uma área de ocorrência bem pequena, que é a região serrana do Espírito Santo, ao sul do Rio Doce, e em partes adjacentes de Minas Gerais, incluindo o extremo norte do Rio de Janeiro.
Fauna News – Quais são as principais ameaças às duas espécies?
Fabiano Rodrigues de Melo – Alguns fatores foram importantes para a quase extinção do aurita em Viçosa, tais como desmatamento, fragmentação de ambientes, desequilíbrio ecológico e os mais importantes deles, e que vêm acontecendo muito até hoje, é a forte presença dos híbridos nos centros urbanos e o constante apoio da população em oferecer alimentos e abrigos para esses animais.
Esses híbridos são “formados” a partir da reprodução de espécies alóctones (vindas de outra região do Brasil), com as espécies nativas, no caso, os saguis-da-serra (no leste do país). Assim, os indivíduos parentais puros de saguis-da-serra e saguis-da-serra-escuro são, aos poucos, “perdidos”. Isso acontece porque os filhotes deles com os animais introduzidos (espécies alóctones de saguis) vão se tornando híbridos e a genética das espécies parentais de saguis-da-serra vai sendo “diluída”. No final, menos indivíduos das espécies nativas ameaçadas vão sobrevivendo na natureza. Há o que a gente chama de erosão da diversidade genética das espécies parentais puras de saguis-da-serra.
Fauna News – Como surgiu o Programa de Conservação dos Saguis-da-serra?Fabiano Rodrigues de Melo – O CCSS está situado na Universidade Federal de Viçosa, sendo coordenado por mim em parceria com o professor Tarcízio de Paula, do Departamento de Medicina Veterinária, também da UFV. A gestão financeira do projeto é, em parte, realizada pela Sociedade de Investigações Florestais (SIF) da universidade.
O CCSS surgiu em 2018, após o então aluno de graduação, Orlando Vítor Vital, ter mapeado áreas na microrregião de Viçosa e reencontrado um grupo de Callithrix aurita. Eram 22 anos sem registro da espécie para o município, o que tinha levado a espécie ser considerada extinta da região. Assim, com a redescoberta da espécie, viu-se a necessidade da criação do CCSS pois o aurita é uma das 25 espécies de primata mais ameaçadas no mundo e precisa de atenção para sua conservação.
Isso só foi possível graças à parceria que a UFV fez com a ONG PREÁ, de Juiz de Fora (MG), coordenada pelo biólogo e doutor em Genética, Rodrigo Carvalho. O Dr. Rodrigo Carvalho conseguiu trazer diversos financiamentos de instituições internacionais, como a Durrell Wildlife Conservation Trust, da ilha de New Jersey (Reino Unido), Apenheul Zoo da Holanda, ZooParc de Beuaval, na França, bem como um forte apoio de instituições nacionais como o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação dos Primatas Brasileiros (CPB/ICMBio) e o Zoológico de Guarulhos.
Fauna News – Quais são os principais objetivos e o cronograma de atividades já organizados?
Fabiano Rodrigues de Melo – O CCSS está empenhado em trabalhar para a conservação da Callithrix aurita e da Callithrix flaviceps. Para isso, tem como objetivos monitorar as espécies em vida livre, manter um plantel em cativeiro para estudar o manejo fisiológico e reprodutivo e, futuramente, reintroduzir animais dessas espécies na natureza. Até que esta última ação seja consolidada, ainda temos um longo caminho e atividades conjuntas, como de educação ambiental e de controle populacional dos híbridos, fazem parte do processo e são de fundamental importância.
O cronograma de atividades foi um pouco prejudicado em função da pandemia, mas estamos mantendo as atividades de estudos remotamente e o recebimento dos primeiros indivíduos no CCSS está previsto para o segundo semestre deste ano.
Fauna News – O envolvimento da comunidade nos projetos de conservação é uma necessidade para aumentar as perspectivas de sucesso dos trabalhos. Como vocês estão planejando atuar em parceria com a população das regiões onde ocorrem esses saguis?
Fabiano Rodrigues de Melo – Através de parcerias e ações de educação ambiental. Nossa equipe de educação ambiental e de mídias sociais tem desenvolvido diversas atividades informativas e de conscientização. Estamos buscando desenvolver uma ciência cidadã, em que a comunidade possa participar ativamente de nossas ações.
Realizamos uma exposição fotográfica sobre as espécies de sagui em parceria com a Câmara Municipal de Viçosa (MG), sendo que hoje ela está disponível on-line em nossas mídias sociais. Também estamos elaborando um projeto e atividades para serem desenvolvidas nas escolas do município, assim que as atividades escolares voltarem à rotina, e, neste momento de “ficar em casa”, nossa equipe de mídias tem trabalhado forte na nossa divulgação científica, passando informações que possam ser acessíveis para todos os públicos.
Além disso, temos oferecido cursos de extensão durante eventos importantes, como semanas acadêmicas e a própria Semana do Fazendeiro da UFV, que é considerado o evento mais importante de toda a microrregião de Viçosa, atraindo milhares de pessoas de toda a Zona da Mata mineira. É uma semana com centenas de cursos de extensão, exposições oferecidas por agricultores, contando com a presença de instituições de ensino, de pesquisa e de empresas de toda a região. Há um grande público atraído, com mais de dezenas de milhares de visitantes. A exposição ocorre em todos os julhos, porém, com a pandemia, em 2020, ela foi cancelada. Ano passado, conseguimos oferecer dois cursos, onde pudemos contar um pouco da história do CCSS e da importância de proteção dos saguis nativos.
Também oferecemos palestras em eventos regionais e nacionais e, de modo geral, estamos tendo uma grande aceitação do público.
Fauna News – No contexto brasileiro atual, em que existe uma política do governo federal voltada ao desmonte da estrutura de gestão ambiental e de organizações que trabalham com conservação da biodiversidade, não é uma ousadia lançar esse programa? Ou a situação das duas espécies é tão crítica que não há mais tempo a esperar?
Fabiano Rodrigues de Melo – Sem dúvida, é uma ousadia lançar esse programa de conservação, mas, com boas parcerias e muito trabalho, temos certeza que faremos ações efetivas para a conservação. Visto o grau de ameaça dessas espécies, não podemos esperar mais para agir.
Além disso, qualquer ação de conservação independe de governantes. Ela é feita sempre por um rol de parceiros e pessoas e o seu sucesso depende somente disso: do envolvimento e da dedicação dos profissionais envolvidas. Conservação é assim. É multidisciplinar, é composta sempre por diversos pesquisadores, de diversas áreas e por diversas instituições diferentes. Dessa forma, nunca há pessimismo ou governo que impeça o sucesso da ação de conservação.
Fauna News – Esse contexto tem dificultado conseguir apoios institucionais, financeiros e da população?
Fabiano Rodrigues de Melo – Temos um bom relacionamento com os gestores e os educadores da cidade de Viçosa. Isso nos proporciona ajuda para conseguir financiamentos e parcerias e chance de promover ações de educação ambiental nos dando visibilidade junto à população local. Além disso, fontes de fomento nacional e internacional sempre estão abertas e disponibilizam recursos para que possamos trabalhar com as espécies ameaçadas. Não é fácil, mas não é impossível obter fontes regulares de financiamento, tanto nacionais quanto internacionais.
Gostaria de ressaltar que através do apoio da vereadora Brenda Santunioni e da Câmara Municipal de Viçosa, foi criado um projeto de lei para tornar o Callithrix aurita o mascote da cidade. Esse projeto já foi aprovado por unanimidade na Câmara em suas duas votações e agora estamos aguardando a sanção do prefeito. A partir deste projeto ficou instituído 17 de junho como o Dia Municipal do Sagui-da-serra-escuro e estabelecida a espécie como mascote oficial da cidade.
Fauna News – O Callithrix aurita virou cerveja?
Fabiano Rodrigues de Melo – Assim como ocorre em outros projetos de conservação, fizemos uma parceria muito importante com um dos donos da cervejaria Krug Bier, de Viçosa, para criar uma receita especial e se tornar a “Cerveja Aurita”. É uma nova forma de dar visibilidade à espécie e levar informações relevantes para o público.
Fauna News – Como deve proceder quem desejar apoiar e ajudar o trabalho de vocês na conservação das duas espécies?
Fabiano Rodrigues de Melo – O ideal é seguir nas nossas redes sociais para ter mais informações sobre o nosso trabalho e acompanhar as atividades: @projetoauritaufv no Instagram, Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra/UFV no Facebook e @projetoaurita no Twitter. Para mais esclarecimentos, dúvidas e parcerias, podem entrar em contato através do e-mail: projetoauritaufv@gmail.com.
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