O jornal DFTV, da TV Globo, em sua primeira edição de 10 de janeiro de 2017, exibiu a matéria “Lei distrital facilita ação de traficantes de pássaros no DF”. A matéria afirma que a Lei 5.758/2016 do Distrito Federal, de autoria do deputado distrital Wellington Luiz (PMDB) e que entrou em vigor em 22 de dezembro de 2016, está atrapalhando o trabalho de fiscalização dos criadores de pássaros realizado pelo órgão ambiental de Brasília (o Instituto Brasília Ambiental – Ibram). E a reportagem está coberta de razão.
A lei chegou a ser totalmente vetada pelo governador de Brasília, Rodrigo Rollemberg, mas o veto foi derrubado pela Assembleia Distrital. Antes de entrarmos nos detalhes políticos e do jogo de interesses envolvidos, vamos explicar um pouco dos problemas dessa lei.
A sua proposta é regulamentar a criação amadorista e comercial de passeriformes domesticados da fauna nativa brasileira de origem silvestre e dar outras providências. Como a Lei Federal 5.197/1967, em seu artigo 6º, determina que o poder público estimule a construção de criadouros destinadas à criação de animais silvestres para fins econômicos e industriais, o Distrito Federal preparou sua lei para regrar a criação amadorística e comercial de passeriformes (ordem das aves formada por animais que normalmente atraem pela sua bela plumagem e pelo canto, popularmente chamados de passarinhos).
Além de manter a velha cultura de que alguns animais silvestres podem ser criados como bichos de estimação, que o Fauna News é contra, a lei do Distrito Federal torna-se vergonhosa pelas imposições impeditivas à fiscalização do Ibram.
“Art. 47. As vistorias a criadouros devem ser realizadas por agentes do Ibram em dias e horários consonantes com as atividades principais dos CAPDs, ou em horário comercial nos criadouros comerciais.
§ 1º Na vistoria, não é permitido o manejo de contenção em pássaros que estejam reproduzindo ou participando de competições e se restringe apenas aos espécimes que estejam com anilhas visivelmente violadas.
§ 2º O criador não é obrigado a submeter os pássaros de seu plantel à coleta de material biológico, salvo por decisão judicial.
§ 3º A fiscalização fica restrita ao ambiente onde os pássaros são criados, e pássaros mantidos no interior da residência devem ser apresentados à fiscalização pelo criador de forma a não violar preceito constitucional que preserva a inviolabilidade do lar.”
Quer dizer que o agente de fiscalização terá de agendar com o criador dia e hora de sua ação. E o efeito surpresa? Será que da forma imposta pela nova lei os fiscais encontrarão alguma irregularidade?
A situação vai piorando quando, no parágrafo 1º do artigo 47, os agentes do Ibram foram impedidos de manejar, ou seja, de lidar diretamente com os animais. Gostaria que me explicassem como anilhas pequenas serão examinadas e medidas (para constatação de violação ou de falsificação) sem pegar o animal?
Você está pensando que acabou? Leia, então, o parágrafo 3º, que proíbe o fiscal de verificar os demais cômodos do imóvel do criador. Se o criador, que saberá dia e horário da fiscalização, esconder os animais que apresentem alguma irregularidade ou seja ilegal (traficados) em algum recinto de seu imóvel, jamais será punido.
Em 23 de dezembro de 2016, a presidente do Ibram, Jane Vilas Bôas, divulgou uma nota de repudio à nova lei no site da instituição. No texto, ela informa que a proposta original do deputado Wellington Luiz (projeto de lei 153/2015) foi debatido em audiências públicas e bastante criticado pelo Ibram, pelo Ibama e por ambientalistas.
“Após o IBRAM apresentar seu posicionamento contrário à aprovação do projeto, recebemos a promessa de que participaríamos ativamente da construção de minuta do projeto de lei.” – texto da nota de repúdio do Ibram
Mas, segundo Jane, para surpresa de todos, um novo texto foi elaborado pela Associação de Criadores de Pássaros de Brasília (ACPB) e não teria levado em consideração as observações apresentadas ao texto inicial (PL 153/2015). A presidente do Ibram afirma que o novo projeto foi apresentado e aprovado em todas as comissões da Assembleia Distrital em menos de 20 minutos.
Como já informamos no início do texto, o porjeto-de-lei aprovada em 14 de dezembro de 2016 chegou a ser totalmente vetada pelo governador de Brasília, Rodrigo Rollemberg, mas o veto foi derrubado pelos deputados e publicada em 22 de dezembro no Diário Oficial do DF. Tornou-se lei.
Na matéria da TV Globo, o deputado Wellington Luiz alegou que a lei visava evitar os excessos da fiscalização, que muitas vezes trata pequenas irregularidades como crimes. Só uma observação: se há excessos por parte de servidores públicos (e eles acontecem), porque não cobrar dos órgãos de controle do poder público a apuração desses problemas e a punição de funcionários que cometem erros.
Não bastasse tornar a fiscalização praticamente sem efeito, a lei feita, segundo o Ibram, pela Associação de Criadores de Pássaros de Brasília (ACPB), ainda pretende reforçar a cultura do criar pássaros silvestres nativos como bichos de estimação:
“Art. 55. O Poder Executivo, por meio do Ibram, implementará campanhas publicitárias para demonstrar a importância da atividade e ainda promover o acesso dos criadores às pesquisas técnico-científicas que possam aprimorar seus conhecimentos.”
O Ibram será obrigado a virar garoto-propaganda da criação de pássaros.
Mais uma vez, quem fez lobby se deu bem. Mais uma vez, legislaram para poucos. E, mais uma vez, provou-se que ambientalistas ligados à conservação da fauna silvestre no Brasil não sabem fazer política.
– Assista à matéria da TV Globo:
– Leia a nota de repúdio do Ibram
– Conheça a Lei 5.758/2016 (ver página 3)