Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Apenas dois países têm estatísticas disponíveis comparando a mortalidade de aves decorrentes de diferentes infraestruturas e atividades antrópicas: EUA e Canadá. E como vocês podem perceber no infográfico acima (retirado da Nature), as estimativas têm enormes incertezas, ou seja, os números variam muito. Mas não vou gastar espaço aqui explicando de onde vêm essas incertezas, embora identificar essas razões permitirá qualificar os estudos que são usados para esse tipo de estimativa.
O que se sabe é que os valores reais devem estar em algum ponto entre os dois extremos obtidos para cada infraestrutura/atividade. Imagino que todos estejam chocados com a voracidade dos gatos ou mesmo em como as edificações podem se tornar uma armadilha. Mas meu propósito aqui não é falar dos gatos nem das casas e prédios, embora eles merecessem várias colunas. Considerando os limites inferiores das estimativas (algo como dizer: no mínimo morrem tantos…), as rodovias são a terceira causa na síntese apresentada na figura. Ela não leva em consideração um grande número de outras infraestruturas e, portanto, ela está sendo usada apenas como um exemplo.
Mas qual o sentido desse tipo de comparação, com estatísticas nacionais ou mesmo regionais? Segundo o autor ou coautor de boa parte destas estatísticas, o americano Scot Loss, as razões podem ser várias.
A primeira é chamar a atenção do publico em geral, dos cientistas e dos formuladores de políticas públicas para a dimensão da carnificina. Vocês não ficaram chocados? E pensar que faltam inúmeras outras infraestruturas e atividades que são causas diretas de mortalidade, sem falar das indiretas…
A segunda razão, é identificar lacunas de conhecimento ou necessidades de refinamento dos estudos, por exemplo, para diminuir as incertezas nas estimativas ou a coleta de dados adicionais. Em geral só são coletados dados de número de indivíduos e eventualmente identificada a espécie, mas para estimar os efeitos dessas mortes na persistência das populações pode ser importante, por exemplo, registrar a idade e o sexo dos indivíduos mortos. Faz diferença para predizer o futuro de uma população saber se são indivíduos jovens ou fêmeas adultas.
Uma razão adicional é que essas estatísticas podem orientar decisões de onde alocar recursos para pesquisa, manejo e elaboração de políticas públicas para minimizar essa mortalidade. Obviamente deve haver certa complementaridade na distribuição desses recursos, pois diferentes grupos de aves são afetados por diferentes atividades/infraestruturas. Ou ainda, mesmo poucas mortes podem significar o rápido declínio de populações já raras.
No Brasil, ainda estamos engatinhando na geração de certas estatísticas, seja em nível nacional ou estadual. Mesmo para rodovias não sabemos a magnitude de mortalidade de aves nem as suas incertezas.
Lá vamos nós de novo contar carcaças… É obvio que saber, ou mesmo, explicar os números de mortos não vai diminuir as mortes futuras. Mas aparentemente só com melhores estimativas de mortalidade e predição de suas potenciais consequências podemos angariar apoio popular para estimular as políticas de minimização dessa carnificina.
Ou não?