
Por Dimas Marques
Editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
Não é incomum, infelizmente, que haja erros na identificação de animais e plantas em matérias jornalísticas. E, para piorar, também é frequente que se repitam conhecimentos equivocados do senso comum, o que acaba por reforçar comportamentos violentos da população contra a fauna. A desinformação, aliada ao medo, gera agressões e mortes de animais.
Veja a matéria Rio Brilhante: moradora é surpreendida com cobra em cima do sofá publicada no site Rio Brilhante em Tempo Real (MS) em 1º de maio:
“Moradora de 44 anos, do bairro Vale do Sol em Rio Brilhante foi surpreendida e levou um susto na manhã desta quarta-feira (1) ao se deparar com uma cobra em cima do sofá na casa onde mora.
A mulher que reside na rua Pastor Liver Mendonça, com uma filha e duas netas pequenas, limpava o móvel quando percebeu a presença da cobra Jararaca.
Como mora próximo a uma área rural, ela acredita que a serpente veio desse local e entrou na casa sem ser vista e se alojou no sofá.”
A cobra em questão não é uma jararaca (Bothrops jararaca), mas uma jararaquinha dormideira (Sibynomorphus mikanii). Enquanto a primeira é temida por ser peçonhenta, a segunda não é “venenosa” e tem comportamento bastante calmo. A principal presa da dormideira são lesmas.
E para evitar esse tipo de confusão, motivado pelo nome no caso dessa cobra, é fundamental que o jornalista consulte um especialista. A matéria, como o erro, faz com que o já consolidado medo de jararacas passe para a imagem da dormideira, que teve uma foto publicada.
O erro torna-se ainda maior quando o portal Campo Grande News, um dos maiores do estado do Mato Grosso do Sul, simplesmente copia a matéria do Rio Brilhante em Tempo Real.
Alguém reparou que na matéria não há qualquer informação sobre o destino dado à dormideira? Foi capturada e solta ou morta – como comumente acontecee ocorreu no dia seguinte:
“Aparecimento de uma cobra assustou pacientes e funcionários de um posto de saúde de Terenos na tarde desta quinta-feira (2). Testemunhas contaram que o animal saiu de uma área da lateral da unidade, onde é colocado o lixo para descarte.
De acordo com informações de um leitor que não quis se identificar, o animal foi visto entrando na recepção do posto por volta das 11 horas, ainda em horário de funcionamento da unidade de saúde. “Ela saiu da área de descarte de lixo e entrou na recepção, chegou bem próximo a atendente que estava trabalhando”, conta.
Sem saber o que fazer, pessoas que estavam no local mataram e descartaram a cobra. No entanto, em casos como este, a recomendação é que a Polícia Militar Ambiental ou equipe do corpo de Bombeiros seja acionada para fazer a captura do animal.
Entramos em contato com a prefeitura da cidade para comentar o caso, mas recebemos a informação de que ninguém foi informado sobre o aparecimento do animal no posto.” – texto da matéria Cobra aparece em posto de saúde e assusta pacientes e funcionários, publicada em 3 de maio pelo Campo Grande News
No caso do posto de saúde, o medo e a ignorância se aliaram a falta de um serviço do poder público que resgate animais silvestres em ambiente urbano. Na matéria, a imagem da cobra não está nítida, mas suspeita-se ser da espécie Phalotris mertensi, também inofensiva a humanos.
O jornalismo não tem compromisso apenas com a vida humana, pois a informação que veicula pode ajudar a determinar comportamentos de pessoas perante outras formas de vida. Deve-se ressaltar também que as cobras têm funções ecológicas importantes na natureza (controle da população de suas presas, por exemplo).