
Por Dimas Marques
Jornalista, pesquisador do Diversitas-USP e editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
Um projeto de lei que foi apresentado em 2003 para tornar mais rígida a legislação que trata do tráfico de animais silvestres no Brasil está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados. O PL 347/2003 foi proposto no final da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou o tráfico de animais e plantas silvestres durante novembro e dezembro de 2002 e janeiro de 2003.
O PL já está entre os projetos prontos que podem ser votados pelo plenário da Câmara, dependendo, portanto, de o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) determinar quando isso acontecerá. O projeto faz algumas alterações importantes na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998).
Atualmente, o artigo 29 tem a seguinte redação:
“Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I – contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração;
II – em período proibido à caça;
III – durante a noite;
IV – com abuso de licença;
V – em unidade de conservação;
VI – com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.
§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca.”
O PL propõe o seguinte:
1 – a transformação do inciso III e do parágrafo (§) 2º do artigo 29 no artigo 29-A, o que significa tipificar o crime de tráfico de animais:
“Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural.
§ 2º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.
Art. 29-A. Vender, expor à venda, exportar ou adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito, utilizar ou transportar ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Praticar as condutas previstas no caput de forma permanente, em grande escala ou em caráter nacional ou internacional:
Pena – reclusão de dois a cinco anos, e multa.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.”
2 – a transformação dos parágrafo (§) 3º, 4º e 6º do artigo 29 no artigo 29-B, que ainda ganhou o inciso VII (o “para evitar flagrante”) em seu parágrafo (§) 1º:
“Art. 29-B. Para os efeitos dos arts. 29 e 29-A, são espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
§ 1º As penas previstas nos arts. 29 e 29-A são aumentadas de metade, se o crime é praticado:
I – contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração;
II – em período proibido à caça;
III – durante a noite;
IV – com abuso de licença;
V – em unidade de conservação;
VI – com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa;
VII – para evitar flagrante.
§ 2º As disposições dos arts. 29, 29-A e 29-B não se aplicam aos atos de pesca.”
3 – cria o artigo 34-A, para punir os traficantes de peixes ornamentais:
“Art. 34-A. Comercializar, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida, espécies de peixes ornamentais:
Pena – reclusão de dois a cinco anos, e multa.”
Comentários
A alteração do artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais é extremamente necessária. Do jeito que está hoje, o fato de a pena prevista para as ações ilícitas descritas no artigo serem inferiores a dois anos (“menor potencial ofensivo”), o processo é submetido à Lei 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Nessa lei está determinado que o infrator não deve responder pelo crime preso após a polícia registrar o termo circunstanciado e abre-se a possibilidade da transação penal com a suspensão do processo (o acusado aceita um acordo oferecido pelo Ministério Público, que pode ser a realização de trabalho em alguma entidade ou o pagamento de cestas básicas, por exemplo, para que não haja a denúncia e o caso se transforme em um processo judicial para ser julgado).
Agrava a situação a Lei 12.403/2011, que estabeleceu o fim da prisão preventiva para crimes com penas menores que quatro anos de prisão, como o de formação de quadrilha.
Traduzindo: o tráfico de animais, como é tratado pela atual legislação, é o crime da impunidade. Por isso é tão importante mudar a lei.
O proposto pelo PL 347/2003, ao criar o artigo 29-A, é tipificar a manutenção em cativeiro sem autorização e o comércio ilegal de animais silvestres como um crime. E como previsto no parágrafo (§) 1º, se esse crime for cometido “de forma permanente, em grande escala ou em caráter nacional ou internacional” sua punição deverá variar entre dois e cinco anos de prisão. Repare que com essa pena, não se pode mais tratar o problema como um crime de “menor potencial ofensivo”, com o benefício da transação penal, e nem sob o efeito da lei que impede a prisão preventiva do acusado.
O avanço é nítido, mas há um problema: como determinar o cometimento do crime “de forma permanente, em grande escala ou em caráter nacional ou internacional”? O texto está vago e deve gerar dúvidas na sua aplicação diária.
Outro problema que o PL tenta resolver com a tipificação do tráfico de animais é a previsão de punição igual para quem cria animais silvestres ilegais (adquiridos no mercado negro ou capturados na natureza) como bicho de estimação e para quem trafica fauna. Atualmente, o artigo 29 determina para ambos os infratores a pena de seis meses a um ano de prisão. Dessa forma, o bandido preso com 500 animais tem o mesmo tratamento legal de uma pessoa que mantenha em casa duas gaiolas com passarinhos.
Com o artigo 29-A do PL, a intenção é fazer essa distorção desaparecer. Mas, boa parte do tráfico de animais que ocorre no Brasil se dá em feiras de rua, onde o infrator é surpreendido, muitas vezes, apenas com um ou dois animais. Essa tática foi criada para evitar a perda de grandes quantidades de bichos em apreensões realizadas por policiais ou fiscais. Perante tal quadro, como punir exemplarmente esse bandido? Como provar que ele é um traficante de fauna que atua de forma permanente e assim enquadrá-lo na situação do parágrafo (§) 1º (com pena de dois a cinco anos)? Esse infrator não merece ser tratado no contexto de uma punição com pena de seis meses a um ano, o que para ela significará a impunidade.
De qualquer forma, o PL representa um avanço necessário para combater o tráfico de animais no Brasil. Se aprovado, o projeto é enviado ao Senado para, se aprovado, ser encaminhado para o presidente da Repúblico sancioná-lo ou vetá-lo.
Curiosidade
O PL 347 foi proposto em 2003 como resultado da CPI que investigou o tráfico de animais naquela época. O relator da comissão foi o então deputado federal José Sarney Filho, que hoje é ministro do Meio Ambiente. Como no universo da política as coisas só andam quando há interesse dos políticos ou há pressão pública, não há motivos para ser diferente com esse projeto.
Parado há 14 anos na Câmara dos Deputados, o PL ganhou regime de urgência em sua tramitação em 6 de dezembro de 2016, dois dias depois de o programa Fantástico da Rede Globo veicular uma reportagem sobre os 10 traficantes de fauna presos mais vezes no Brasil pelos agentes do Ibama (veja em “Editor do Fauna News participa de reportagem do Fantástico”).
A imprensa influenciou ou a reportagem já foi preparada com a intenção de criar pressão e tirar esse projeto de lei da gaveta?
Fica também a questão: por que exatamente esse PL foi escolhido para tramitar em regime de urgência, já que ele não é o único que propõe modificações na Lei de Crimes Ambientais para combater o tráfico de animais?
– Conheça o PL 347/2003
– Releia a matéria “Editor do Fauna News participa de reportagem do Fantástico”, publicada em 6 de dezembro de 2016 pelo Fauna News