Por Dimas Marques
Jornalista, pesquisador do Diversitas-USP e editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
O projeto de lei 6268/16 de autoria do deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), que está sendo apresentado como uma proposta de Política Nacional de Fauna, tem um claro objetivo: permitir que a caça seja uma atividade legal no Brasil. Está na justificativa do projeto:
“A previsão estabelece que o Poder Público Federal, no âmbito de sua competência, possa prever e regulamentar o manejo, controle e o exercício de caça, esta última enquanto atividade, que pode ser definida como a prática de perseguir animais, geralmente selvagens, mas também assilvestrados, para fins alimentares, para entretenimento, defesa de bens, populações e atividades agrícolas ou com fins comerciais.”
O projeto está para ser examinado na Comissão de Defesa do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, primeiro passo para uma tramitação que pode chegar à votação em plenário e transformar-se em lei. Colatto está propondo a revogação total da Lei 5.197, de 1967, conhecida como Lei de Proteção à Fauna, que determina em seu artigo 2º a proibição da caça profissional no Brasil.
Colatto é parte da chamada Bancada da Bala, como é conhecido o grupo de parlamentares que recebem dinheiro da indústria de armas e munições para financiar suas campanhas. Em 2011, o portal de notícias UOL publicou uma matéria sobre essa bancada. A partir de pesquisa realizada no Tribunal Superior Eleitoral, descobriu-se que o deputado recebeu uma doação de R$ 30 mil desse setor industrial.
“A indústria de armas e munições doou mais de R$ 2 milhões a campanhas parlamentares. Forjas Taurus, Aniam (Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições) e CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) ajudaram a financiar diretamente 27 dos parlamentares hoje em Brasília. Essa quantia pode ser ainda maior porque as empresas também doaram a comitês que, sem identificar as doações, repassaram em 2010 valores a candidatos a cargos nos poderes Executivo e Legislativo em todo o país.” – texto da matéria “Gaúchos formam metade da bancada da bala no Congresso; conheça os parlamentares”, publicada em 25 de abril de 2011 pelo UOL Notícias
Não é num absurdo, portanto, imaginar que Colatto está trabalhando na Câmara dos Deputados para defender os interesses das empresas que fabricam armas e munições. O parlamentar, que também integra a bancada ruralista, tem tentado defender o projeto da oposição dos ambientalistas alegando que está previsto o repasse de 30 % do lucro líquido anual de cada reserva de caça para ser aplicado na recuperação e proteção de espécies da fauna silvestre brasileira. Será preciso causar dor e sofrimento em animais para conseguir dinheiro para a conservação de outros animais? É um tanto contraditório pensar assim, além de estarmos reabrindo um caminho para uma atividade que, na verdade, satisfaz um desejo por um entretenimento mórbido e interesses não claros de um setor atrasado do agronegócio e da indústria das armas.
Alguém já parou para pensar na quantidade de armas a mais que passará a circular na sociedade?
Para o Fauna News interessa discutir o impacto desse projeto no tráfico de animais.
“Art. 7. O manejo da fauna silvestre in situ só pode ser realizado mediante apresentação de plano de manejo ou projeto de pesquisa e sua aprovação pelo órgão ambiental competente.
§ 1º O plano de manejo de fauna silvestre in situ deverá resultar de pesquisas que incluam dados sobre a distribuição das espécies, parâmetros populacionais e reprodutivos, estado de conservação, potencial para utilização sustentável e programa de monitoramento das populações.
§ 2º O plano de manejo de fauna silvestre in situ recomendará as intervenções necessárias à conservação e utilização sustentável dos recursos faunísticos, incluindo medidas de proteção aos hábitats, quotas e procedimentos de abate cinegético e formas de incremento populacional.
§ 3º Espécies da fauna silvestre brasileira ameaçadas de extinção só podem ser manejadas para fins científicos ou conservacionistas.
Art. 8. Os espécimes provenientes do manejo in situ podem ser comercializados conforme previsto no plano de manejo de fauna aprovado pelo órgão ambiental competente.”
O parágrafo 2º do artigo 7º já abre a possibilidade da “utilização sustentável dos recursos faunísticos”, o que acaba ficando mais claro no artigo 8º que permite a comercialização de animais capturados e caçados na natureza (in situ) de acordo com um plano de manejo. O tráfico de animais agradece ao deputado Colatto por abrir mais uma oportunidade de “esquentar” bichos retirados ilegalmente da vida livre por meio de documentos, autorizações e procedimentos fraudáveis. Afinal, pode-se muito bem dar uma aparência de legalidade a animais originários de regiões onde a captura e a caça estarão proibidas, como unidades de conservação de proteção integral.
Vale lembrar também que hoje o poder público já tem grande dificuldade de fiscalizar os criadouros, as unidades de conservação (como os parques nacionais e estaduais) e toda a estrutura já existente que envolve o comércio (legal e ilegal) de fauna silvestre para ainda ter de dar conta para mais uma atribuição. O que já é ruim pela falta de estrutura, vai piorar.
E vai piorar não somente porque o poder público não investe em treinar e equipar suas equipes de fiscalização. Vai piorar também porque o projeto proposto por Colatto pretende revogar a Lei 5.197, de 1967 (Lei de Proteção à Fauna), que em seu artigo 26 estabelece:
“Todos os funcionários, no exercício da fiscalização da caça, são equiparados aos agentes de segurança pública, sendo-lhes assegurado o porte de armas.”
Como os agentes do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por exemplo, vão fiscalizar caçadores ilegais, madeireiros ilegais, garimpeiros criminosos e uma série de bandidos sem armas?
Os problemas do projeto de Colatto, quando pensamos em tráfico de animais, não param por aí. Vamos ao artigo 18:
“Os animais recebidos pelos centros de triagem podem ser:
I – destinados a criação ou manutenção em cativeiro Iegalizado;
II – destinados a projetos de pesquisa ou atividades previstas em planos de ação ou de manejo;
III – submetidos à eutanásia.”
O inciso I é de interesse dos criadores comerciais, que aumentarão a possibilidade de receber animais silvestres da natureza para servirem como matrizes reprodutivas, e às reservas de caça (denominadas cinegéticas no projeto de Colatto), que poderão contar com esses bichos para serem caçados e reconstituírem seus plantéis.
O inciso III (eutanásia, ou seja, matar) é ótimo para o poder público esvaziar os centros de triagem de animais silvestres (Cetas) sob sua gestão que se tornaram depósitos de bichos porque não há programas competentes de reabilitação dos espécimes apreendidos e de solturas (revigoramento populacional e reintrodução). Cetas administrados por particulares, que vivem em situação financeira precária, também poderão eliminar animais quando estiverem em situação difícil.
Para piorar, o projeto não proíbe a eutanásia de animal de espécie em extinção.
Deputado Valdir Colatto, a fauna brasileira agradece se o senhor retirar da tramitação na Câmara dos Deputados o projeto de lei 6268/16. Caso o senhor queira, realmente, propor uma Política Nacional de Fauna, que tal abrir a discussão em audiências públicas para que toda a sociedade participe (e não apenas a indústria das armas, setores atrasados do agronegócio e entusiastas tacanhos da caça como prática de entretenimento)?
– Conheça o projeto de lei 6268/16
– Leia a matéria do UOL Notícias