Previsão de seca rigorosa e alto risco de incêndios: alerta para fauna do Pantanal

A estação chuvosa do Pantanal está se encerrando e os principais rios do bioma estão em níveis abaixo do esperado. Para piorar, especialistas indicam que o período de seca deverá ser tão rigoroso quanto o de 2020, em que incêndios mataram 17 milhões de animais silvestres. O Ibama, o ICMBio e os estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, além de ONGs, estão se mobilizando para evitar uma nova tragédia.

A partir de meados de abril e início de maio inicia-se a estação seca no Pantanal. Ou seja, o período, que dura até setembro, é marcado pela estiagem, com baixos índices de pluviosidade.

A preocupação dos especialistas começou já no período chuvoso. Os dois principais rios responsáveis pelo regime de inundação do bioma, o Paraguai e o Miranda, estão com volumes críticos. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (Ana) mobilizou o setor de Operações e Eventos Críticos da bacia do rio Paraguai, reunindo órgãos dos governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e especialistas do clima, para acompanhar com atenção a evolução do período chuvoso na região.

“Historicamente, os meses mais chuvosos são dezembro, janeiro, fevereiro e março. Entretanto, as chuvas observadas nesse período não foram suficientes para reverter o quadro de estiagem na região. As estações de monitoramento hidrológico mostram que os níveis do rio Paraguai ficaram próximos ou abaixo dos mínimos valores registrados, o que acende o alerta sobre a possibilidade de comprometer os usos múltiplos da água, como a navegação e as captações para abastecimento das cidades, e de aumento da incidência de fogo”, reforçou a Ana.

De acordo com o meteorologista do Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima de Mato Grosso do Sul (Cemtec), Vinicius Sperling, esse quadro consolidado da estação chuvosa preocupa e pode refletir em um período de estiagem ainda mais seco.

“Os pluviômetros das estações meteorológicas da região mostraram que, de novembro de 2023 a fevereiro de 2024, 34 dos 46 municípios monitorados tiveram chuvas abaixo ou muito abaixo da média histórica. Toda essa situação meteorológica agravou-se com as ondas de calor ocorridas no período. A expectativa para o próximo trimestre é que este cenário se mantenha”, alertou.

O cenário se apresenta ainda mais preocupante conforme avaliações do Serviço Geológico do Brasil (SGB). Na reunião ocorrida em 2 de abril para atualização do contexto envolvendo o rio Paraguai, o especialista do órgão informou, a partir da análises das medições que ocorrem há 125 anos em Ladário (MS), que o curso d’água atingiria níveis muito críticos em meados de outubro deste ano, podendo haver problemas na navegação e na captação de água para abastecimento dos municípios. “A bacia do rio Paraguai tem registrado chuvas abaixo da média. Se as chuvas ficarem abaixo da média nos próximos meses, poderemos observar cenários semelhantes aos de 1964, 1971 ou 2021”.

Todo esse acompanhamento e previsões são corroborados em conjunto pela Agência Nacional de Águas (Ana), Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima de Mato Grosso do Sul (Cemtec), Marinha do Brasil, além de empresas do ramo de energia locadas nos Estados.

Risco de incêndios mobiliza instituições

Com o cenário de seca severa consolidado, o alerta para possibilidade de incêndios na vegetação se acende, sendo necessárias brigadas preparadas para evitar que o fogo tome proporções como o visto em 2020 – quase 30% do Pantanal queimou.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) é responsável por duas unidades de conservação (UCs) no bioma, ambas no Mato Grosso: o Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense e a Estação Ecológica do Taiamã. De acordo com o Instituto, ambas as UCs possuem brigadas contratadas o ano inteiro. Além disso, o Instituto mantém brigadas em outras unidades que prestam apoio ao Pantanal, como os do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães e da Estação Ecológica Serra das Araras, além de um brigada de pronto emprego.

O treinamento das brigadas ocorre periodicamente todos os anos, visto que os brigadistas são selecionados com base em cursos de formação, além de formação adicional, como cursos de operação de equipamentos motorizados. Para os servidores, há os treinamentos abordando temas como comando de incidentes e comportamento do fogo. Atualmente, as duas unidades do Pantanal contam com 13 brigadistas ativos. No caso de incêndios, há a colaboração de brigadistas de duas unidades próximas: Prevfogo e brigada de pronto emprego”, completou.

Além do combate ao fogo, as brigadas lideradas pelo ICMBio atuam no resgate de fauna, em parceria com o Ibama, órgãos estaduais de meio ambiente, como o Corpo de Bombeiros, Ongs, brigadas voluntárias e instituições que se dedicam à reabilitação de fauna afetada pelos incêndios ou outras ocorrências que representem ameaças.

O Instituto SOS Pantanal iniciará o treinamento anual das Brigadas Pantaneiras em maio, contando com o apoio do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Hoje, em parceria com a Ecoa – Ecologia e Ação, o Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas) e o WWF-Brasil, a rede de brigadistas soma 66 unidades atuantes, sendo 24 estruturadas e apoiadas diretamente pelo Instituto. De acordo com dados consolidados de dezembro de 2022, as brigadas colaboraram para a diminuição em 89% de área queimada em suas áreas de atuação, com redução de 76% dos focos de calor, protegendo um território de mais de 650 mil hectares.

Essas brigadas são formadas pela comunidade residente nas fazendas e nos municípios do território pantaneiro e iniciaram a mobilização em 2020, quando o Pantanal foi atingido pela pior onda de incêndios florestais da história e foram consumidos quatro milhões de hectares do bioma.

O governo federal anunciou um corte de R$ 12,3 milhões ao Ibama, atingindo o PrevFogo, braço da instituição que tem papel fundamental na defesa contra incêndios florestais, prioritariamente em terras indígenas, assentamentos e unidades de conservação.

Por outro lado, Mato Grosso do Sul mobiliza, desde 2020, o Comitê Interinstitucional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, que tem como objetivo trabalhar o manejo integrado do fogo, seguindo o Plano Estadual de Manejo Integrado do Fogo. De acordo com o presidente do Comitê e assessor bombeiro militar na Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), o tenente-coronel Leonardo Rodrigues Congro, o comitê antecipou as atividades de prevenção em 2024 com o intuito de minimizar impactos. Além disso, comentou que há negociações para que ocorra um trabalhos em conjunto com o Mato Grosso.

Tanto o secretário da Semadesc quanto a Secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso têm pedido que este trabalho integrado aconteça sobre o bioma Pantanal. 70% do bioma está no território sul-mato-grossense, enquanto 30% no Mato Grosso. Esse trabalho está acontecendo e deve haver definições nas próximas semanas, antes mesmo da temporada de incêndios começar”, completou.

Durante o 1º Workshop Presencial de Prevenção aos Incêndios Florestais, que ocorreu em 9 e 10 de abril e foi organizado pelo governo do Mato Grosso do Sul, o governador Eduardo Riedel decretou estado de emergência ambiental, que terá validade de 180 dias, possibilitando a destinação dinheiro para atividades relacionadas à prevenção e combate aos incêndios florestais.

“Temos R$ 25 milhões em recursos para atuação preventiva, pronto para ser usado e evitar que a gente tenha milhões de hectares queimados. Estamos nos preparando para minimizar caso ocorra algum problema”, disse Riedel durante a assinatura do decreto.

O decreto estabelece, além de outros pontos, a queima prescrita. “Estamos propondo a queima prescrita, que é uma inversão da lógica, com o Estado identificando locais com acúmulo de biomassa. É uma inovação do ponto de vista de combate a incêndio. Através dos estudos, identificamos onde está o maior volume de biomassa, que seria onde estivesse a pólvora do Pantanal; onde tem uma alta capacidade de incêndio. Já estão identificados neste momento situação crítica em 3.500 hectares ”, ressaltou o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado (Semadesc), Jaime Verruck.

A dificuldade de acesso às regiões que frequentemente são afetadas pelo fogo é grande e, por esse motivo, este ano o Corpo de Bombeiros do Mato Grosso do Sul irá instalar 13 bases avançadas em fazendas estrategicamente posicionadas nos pontos mais críticos, sendo duas às margens do rio Paraguai e uma às margens do rio São Lourenço. A diretora de Proteção Ambiental do Corpo de Bombeiros, tentente-coronel Tatiane Inoue ressaltou que será a primeira vez que irá ocorrer esse tipo de organização. “Precisamos diminuir o tempo de resposta. Contamos com 980 militares treinados, que estarão à disposição ao longo da temporada”, ressaltou.

Os focos de incêndio registrados em 2024 já são quase o dobro do mesmo período do ano passado. Por isso o decreto autoriza também a ação rápida das equipes de socorro em casos de grandes emergências, além de dispensar licitações para controle de calamidades.

Preparação para o resgate de fauna

O ano de 2020 ficou marcado na história do Pantanal e na memória de muitos profissionais empregados no resgate de fauna silvestre. O fogo, além de consumir cerca de 30% da vegetação do bioma, matou aproximadamente 17 milhões de animais silvestres – 16 milhões de animais de pequeno porte e 944 mil de maior porte.

De acordo com dados de um estudo feito por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisa (Inpe), 2020 bateu o recorde de queimadas desde 1998, ano em que o Instituto começou a coleta de dados. Foram mais de 22 mil focos de incêndio registrados durante o ano, com o pico no mês de setembro, com 8.106 focos.

Foi durante o período turbulento de incêndios em 2020 que, no Mato Grosso do Sul, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do estado (Crmv-MS) reuniu instituições de relevância operacional, de instituições burocráticas a órgãos executivos, para pensar em como minimizar o impacto que o fogo vinha causando sobre a fauna. E foi assim que surgiu o Grupo de Resgate Técnico Animal (Gretap), órgão vinculado à Semadesc do Estado, que atualmente conta com 12 instituições entre órgãos públicos e instituições privadas e do terceiro setor.

Como relata a bióloga, médica veterinária e fundadora do Gretap-MS, Paula Helena, quando o assunto é a estiagem para 2024, especialistas e órgãos que monitoram essa situação trazem um cenário similar ou pior do que em 2020. Para minimizar os danos, o grupo vem trabalhando junto com os municípios do Mato Grosso do Sul na capacitação de pessoas que podem estar direta ou indiretamente ligadas a um resgate de fauna em situações de desastres ou catástrofes.

“Um dos maiores aliados para que a gente minimize os impactos da estiagem e dos incêndios florestais é contar com a ajuda da população local. É a população da região que notifica o início dos incêndios. Então, com isso, essa população estar preparada e equipada muitas vezes não permite a sequência do incêndio florestal. A própria população consegue extinguir o foco ou se organizar de tal forma que permita um acesso rápido, acionando as brigadas e o Corpo de Bombeiros”, afirmou Paula.

Atenção nas reservas particulares

A serra do Amolar, que já teve 98% de seu território atingido pelos incêndios que frequentemente ocorrem na região, inspira cuidados. O Instituto Homem Pantaneiro (IHP), que é responsável pela gestão de algumas reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs) do entorno, formou, em 2020, a Brigada Alto Pantanal, composta por colaboradores do instituto e membros da comunidade ribeirinha.

Além da atuação no combate do fogo, a brigada é altamente treinada para a prevenção. “Desde sua criação, temos trabalhado de forma preventiva e corretiva para evitar que se perca o controle do fogo. Esse trabalho tem dado resultados surpreendentes”, celebrou o biólogo do IHP, Sérgio Barreto.

O Instituto ainda conta com um sistema de ponta de câmeras e antenas utilizado no monitoramento de focos de calor: o sistema Pantera. Ele permite que se acompanhe em tempo real o que ocorre na região, ajudando de forma ágil na identificação dos focos de incêndio e no possível combate.

Desde o início do ano, o instituto realiza campanhas quinzenais na região, dando suporte no treinamento, revisão e levantamento dos equipamentos utilizados na prevenção e combate a incêndios, como maquinários e bombas costais, além de forte atuação na educação ambiental. “Hoje em dia não trabalhamos apenas com coragem e disposição. Trabalhamos com metodologia, o que surte muitos efeitos positivos”, concluiu Sérgio.

Quanto ao resgate de fauna, Sérgio contou que biólogos e veterinários do IHP são treinados e capacitados para monitorar os animais e dar todo tipo de assistência na captura e atendimento local, caso haja necessidade. Em 2020, os répteis foram os principais impactados pelos incêndios por ficarem entocados e terem um deslocamento mais lento. “Perdemos muita abundância de espécies, mas a riqueza faunística se manteve. Criamos, também, um projeto  para recuperação das áreas degradadas, com o objetivo de criar ilhas de vegetação, com árvore frutíferas, que sirvam de alimento para os animais que passarem durante seu deslocamento entre as áreas que foram queimadas e ainda estão se regenerando”, explicou.

Para o gestor da RPPN Sesc Pantanal, Alexandre Enout, o cenário é de antecipação das medidas de prevenção, como a contratação da equipe de brigadistas, que deverá entrar em ação em junho para iniciar a instalação dos aceiros, a limpeza da vegetação entre as cercas, a abertura de acessos e caminhos e a campanha de conscientização junto às comunidades.

A RPPN está localizada no município de Barão de Melgaço (MT), numa extensão de 108 mil hectares. No seu entorno, há comunidades tradicionais pantaneiras, terras indígenas e fazendas. A reserva conta com diversas espécies consideradas ameaçadas pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, como o tatu-canastra (Priodontes maximus), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e as onças-parda (Puma concolor) e pintada (Panthera onca), além do cachorro-vinagre (Speothos venaticus), um canídeo raro e que dificilmente é avistado.

A equipe da Rppn monitora o rio Cuiabá, que também apresenta média abaixo do normal, chegando a cerca de um a quase dois metros abaixo do nível esperado, o que representa aproximadamente 50% da média histórica.

De acordo com Alexandre, nos últimos anos, o bioma tem enfrentado uma fase de seca acentuada, o que favorece a ocorrência de incêndios de maneira natural, desencadeados por raios. Entretanto, as causas de ignição desses incêndios se diversificaram.

Segundo o Prevfogo do Ibama, as causas das queimadas e dos incêndios florestais são configuradas por uma rede complexa de interações sistêmicas de fundo social, político, cultural, econômico, tecnológico e científico, ético e ecológico. Os incêndios têm múltiplas causas e sua propagação é facilitada pela presença de vegetação seca nessas áreas naturais.” informou Enout.

Após os incêndios de 2020, a instituição aderiu ao Manejo Integrado do Fogo. Isso envolve não só a prevenção e o combate, mas também o entendimento do uso social do fogo pelas comunidades e a disciplina da ecologia do fogo, que compreende as consequências que os incêndios causam aos ambientes naturais. O Sesc Pantanal, em parceria com o ICMBio, construiu um Plano de Manejo Integrado do Fogo para a RPPN. O plano visa a aplicação de técnicas e conhecimentos para um manejo de longo prazo do fogo na região, servindo como modelo para outras instituições e áreas naturais que desejam alcançar resultados melhores no futuro.