O Instituto Arara Azul não trabalha exclusivamente com a arara-azul-grande. Conheça o Projeto Aves Urbanas – Araras na Cidade.
Por Marcelo Calazans
Técnico em agropecuária, administrador de empresas e fotógrafo. Foi professor da disciplina Fotografia de Natureza pelo Senac (MS)
photoanimal@faunanews.com.br
Olá a todos! Com um pequeno atraso devido a problemas técnicos em dezembro do ano passado, darei continuidade ao relato da história e dos projetos do Instituto Arara Azul.
Neste artigo, abordarei sobre o Projeto Aves Urbanas – Araras na Cidade. No fim de outubro de 2019, pude acompanhar e registrar um dia de trabalho da equipe que compõe o projeto.
Esse projeto existe desde 1999, quando aves da espécie arara-canindé (Ara ararauna) em Campo Grande (MS). Elas migraram para a cidade porque houve um período acentuado de estiagem, que somado aos desmatamentos e às queimadas na zona rural e em municípios do entorno provocaram grande escassez de alimentos.
Como são aves generalistas, se alimentando de uma lista variada de frutíferas, encontraram um ambiente adequado na capital, com suas áreas verdes abundantes.
Embora seja comum e com ampla distribuição, a espécie é pouco estudada em vida livre e pesquisas detalhando seu sucesso reprodutivo são importantes para monitorar a população no longo prazo. Dessa forma, o objetivo principal do projeto é monitorar o sucesso reprodutivo da arara-canindé na área urbana de Campo Grande e analisar os resultados, ao longo dos anos, com o desenvolvimento da cidade. Os ninhos cadastrados são acompanhados semanalmente por registro fotográfico; da postura dos ovos até o voo dos juvenis.
O período reprodutivo da arara-canindé em Campo Grande ocorre de agosto a dezembro, podendo ser prorrogado até janeiro ou fevereiro do ano seguinte. Em média, 92,3% dos ninhos com pares reprodutivos têm sucesso com a postura dos ovos. Desse total, 83,3% têm sucesso com o nascimento dos ninhêgos e 81,6% têm sucesso no voo dos juvenis. Os ninhos são construídos em palmeiras nativas e exóticas e estão localizados dentro dos quintais das residências ou imóveis comerciais, calçadas e passeios públicos em avenidas e parques. A maioria dos ninhos cadastrados (54%) fica dentro ou próximo de uma área verde.
As araras-canindé estão se reproduzindo com sucesso na área urbana de Campo Grande. Estudos complementares poderão determinar os fatores que influenciam a reprodução dessa espécie na cidade. As araras hibridas (resultado do cruzamento de arara-canindé com arara-vermelha-grande, a Ara chloropterus) também estão sendo monitoradas. O projeto utiliza essas espécies que são tão emblemáticas para envolver a comunidade nas questões ambientais, principalmente para ressaltar a importância da conservação da biodiversidade.
Outras espécies de aves, como o tucano-açu (Ramphastos toco) e a maracanã-do-buriti (Orthopsittaca manilatus) também são monitoradas na área urbana da capital do Mato Grosso do Sul, seguindo os mesmos padrões utilizados na pesquisa da arara-canindé: registros fotográficos, biometria de filhotes e imagens de câmeras-trap semanalmente. As aves dessas espécies se utilizam das mesmas cavidades que as araras para se reproduzirem.
Desde 2012, a equipe do projeto profere palestras em escolas estaduais e municipais, universidades e eventos científicos com o objetivo de levar informações não só da espécie-alvo, mas da biodiversidade local e a importância de sua conservação.
Outra atividade realizada pelo projeto é o turismo de observação. A equipe recebe um pequeno grupo de turistas, que tem a oportunidade de conhecer o Instituto Arara Azul e o Projeto Aves Urbanas – Araras na Cidade, acompanhando a equipe no monitoramento dos ninhos pela cidade.
Outubro de 2019: um dia de atividade do projeto
O dia prometia, já que teríamos que monitorar a maior quantidade possível de ninhos em um determinado perímetro e, na parte da tarde, a equipe completa (com a presença da bióloga-chefe e idealizadora do projeto, Neiva Guedes) guiaria um grupo de pessoas ligadas à Fundação Toyota do Brasil, uma das parceiras do Instituto Arara Azul desde o início de suas atividades.
Saímos antes das 7 da manhã, para monitorar o primeiro ninho, a cerca de três quadras da minha casa. No mesmo quintal, existem três ninhos, sendo dois de araras-canindé e um de maracanã-do-buriti. Um a um, foram coletados todos os dados dos ninhos (como temperatura interna e externa, profundidade e tantos outros) e dos filhotes. O casal dono da casa simplesmente adora a presença das inquilinas ilustres e preza demais pela segurança dos bichos. Eles sentem orgulho de contribuir para a conservação e perpetuação das espécies na cidade. Ciência cidadã em ação! No primeiro monitoramento, todo mundo bem!
Seguimos para os ninhos seguintes, em outros bairros da cidade, e a rotina de exames e coletas de dados se repete, como também a satisfação das pessoas em fazer parte do trabalho.
Os filhotes são retirados dos ninhos com todo cuidado e a biometria (coleta de dados como peso, tamanho, temperatura corporal e outros) é realizada. Os dados são repassados para planilhas e depois para um sistema de controle do Projeto na sede do Instituto. Através desses dados é possível conhecer a “saúde” da população das aves na cidade. Que por sinal, está muito bem e que assim continue!
Em uma das paradas para monitoria de um ninho, nos deparamos com uma jaqueira completamente carregada. Era hora do lanche e não perdemos tempo em coletar algumas frutas maduras para degustar. De barriga cheia, os trabalhos continuaram com a retirada de dois filhotes com idades diferentes. Um a um foram examinados pela bióloga Larissa Tinoco, que atestou as condições de saúde perfeitas de ambos, com desenvolvimento adequado para a idade deles.
Na parte da tarde, seguimos para uma das avenidas da cidade, onde várias palmeiras-imperiais foram transformadas em ninhos pelas canindés e maracanãs-do-buriti. Foi nessa área que o pessoal da Fundação Toyota do Brasil chegou para acompanhar os trabalhos de monitoria.
A alegria das pessoas em poder acompanhar de perto esse trabalho era contagiante. Todos curiosos e fascinados pelos filhotes e pelos adultos das araras. Expressões do tipo “são fofos demais” e “que rechonchudo” eram ouvidas várias vezes. Realmente, os filhotes são fofos e rechonchudos nessa fase e parecem sorrir o tempo todo, devido ao formato do bico.
Alguns já com a plumagem quase completa e outros quase sem nada. Papos cheios e bicos sujos demonstram o sucesso dos pais em obter alimento para a prole.
A Dra. Neiva fez uma pequena explanação sobre o projeto e sua importância, sempre deixando claro que a parte de conservação, conscientização e educação ambiental são a base de tudo.
E cita também o papel dos moradores da cidade, que contatam o projeto quando um casal de araras faz ninho perto de sua casa ou no quintal. O envolvimento dessas pessoas é fundamental para o crescimento do projeto.
Seguindo com a monitoria, todos os procedimentos padrão criados pelo projeto foram feitos com filhotes dos ninhos. São dados coletados, muitas fotos feitas e a certeza de que o sucesso reprodutivo da espécie-alvo e das demais que são monitoradas é um fato concreto. Nos despedimos das aves com um belo pôr do sol e uma revoada de canindés, as “gritonas” como costumo chamar.
Segue abaixo um pequeno álbum de fotos desse dia.
Volto mês que vem. Até lá!