Jornal da USP, com adaptação do Fauna News
Homem, autodeclarado branco, casado, com idade entre 50 e 59 anos. Essas são algumas características do perfil das pessoas detidas com animais silvestres no estado de São Paulo identificadas em uma pesquisa de mestrado da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP). Além disso, foi observado que eles têm uma fonte de renda que permite pagar a multa aplicada, são réus primários e têm instrução suficiente para entender o caráter ilícito da ação.
“Eu vivenciei na prática ações relacionadas ao tráfico e muitas das coisas que eram noticiadas e tidas como verdades absolutas eu não conseguia enxergar”, conta ao Jornal da USP Vitor Calandrini, mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na EACH, policial militar na área de policiamento ambiental e colaborador da coluna Na Linha de Frente, do Fauna News. Ele conta que o tráfico de animais normalmente é associado, pelo senso comum, a homens solteiros e com dificuldades econômicas.
Casos de animais apreendidos
Para identificar esses dados, foram feitas análises documentais dos anos de 2018 e 2019, por meio de boletins de ocorrência, termos de apreensão e atas de atendimento ambiental do estado de São Paulo. Algumas das informações que podem ser extraídas desses documentos são sexo, idade, profissão, estado civil e condição financeira do autuado, além da localidade da apreensão e o número de animais apreendidos por espécies.
Nesse período, foram identificadas 7.653 ocorrências atendidas pelo policiamento militar ambiental, com 41.137 animais de mais de 322 espécies capturadas. Em cerca de 32% das ocorrências, apenas um animal foi apreendido.
Além disso, 75% do total de animais era de apenas dez espécies: nove aves e um réptil. Entre as aves estão o coleirinho/papa-capim, o canário-da-terra, o trinca-ferro, o papagaio-verdadeiro, o pássaro-preto, o bigodinho, o curió, o azulão e o periquitão-maracanã. O réptil é o jabuti-piranga.
A maioria das apreensões aconteceu na capital paulista e arredores, com 12% dos animais recuperados apenas na cidade de São Paulo.
“Pessoa de bem”
“Fizemos também a caracterização do traficante. E eu até brinco, né? São características da ‘pessoa de bem’”, comenta Calandrini. Ele conta que algumas ideias preconcebidas foram desmistificadas, como a de que o traficante é uma pessoa solteira e que vive escondida. O que foi identificado pelo estudo é que 70% dos mais de cinco mil autuados são casados ou vivem como se estivessem casados, os chamados amasiados. A ideia de que as pessoas envolvidas com o tráfico de fauna (seja compradores de animais ou os comerciantes ilegais) são pessoas pobres e mais velhas também foi contrariada pela pesquisa: em 53% dos casos, o autuado tinha boas condições financeiras e a maioria era homens de média idade.
“Sem dúvida, alguns traficantes vivem do tráfico de animais, mas parece muito mais uma questão cultural, enraizada na nossa sociedade”, conta. Na maioria dos casos, apenas um bicho era apreendido com cada traficante durante esses dois anos. A maior parte do tráfico é feita para as pessoas terem um animal silvestre em casa, como se fosse de estimação.
Quem é o traficante de animais silvestres?
Vitor Calandrini também explica que a identificação do perfil do traficante é algo novo em sua pesquisa. “A segunda parte do meu estudo, que se vale das características socioeconômicas do traficante, é inovadora, porque eu não encontrei nem na literatura nacional, nem na internacional algo que seja cientificamente de banco de dados”, diz. Há apenas pesquisas baseadas em entrevistas, em que a veracidade do que foi contado pode ser questionada.
Entender o perfil do traficante contribui para o trabalho de diagnóstico e conscientização do tráfico, aproximando esse problema, que não está relacionado apenas ao grande traficante, da sociedade.
“O principal de quebrar esses paradigmas é mostrar que é um problema de todos: da sociedade como um todo e do particular. Não é um problema só de segurança pública, não é um problema só de polícia”, aponta Calandrini. Ele complementa que colocar a quantidade de animais como critério para aumentar a pena, por exemplo, pode não trazer resultados efetivos a longo prazo, visto que a maioria dos casos envolve poucos animais.
