
A matéria vale ser lida na íntegra para que sejam feitos bons comentários:
“Há um mês, a alegria da aposentada Irany Coelho, de 82 anos, moradora do Fonseca, em Niterói, acabou. Ela teve o seu papagaio de estimação, o Lourinho, apreendido por agentes do Batalhão de Polícia Ambiental, após denúncia de que ela não tinha autorização do Ibama para criar o animal silvestre. Depois de o filho recorrer à Justiça, a família obteve o direito de criar o animal, mas foi aí que o problema piorou. A ave não foi achada no abrigo vinculado ao Ibama, em Seropédica, na Baixada.
A decisão de devolver o papagaio à família foi tomada, no último dia 30, pela juíza Rosana Navega Chagas, do 1º Juizado Especial Criminal de Niterói. De acordo com a magistrada, caso a determinação não seja cumprida, os responsáveis pelo abrigo de Seropédica poderão responder por crime de prevaricação.
Segundo Irany, a ave chegou aos seus cuidados há 10 anos, quando um amigo da família pediu para que ela cuidasse do bicho:
— Meu papagaio chegou muito ferido na minha casa. O cachorro desse meu amigo o mordeu. Tive que cuidar muito dele. Passei remédios e ele foi ficando forte e logo já estava se sentindo em casa. Quando ficou completamente recuperado, já sentia um carinho muito grande por ele e acabou ficando comigo — conta a idosa, que é viúva há 16 anos.
A ave virou a principal companhia da aposentada:
— O Lourinho sempre foi muito bem educado. Não falava palavrão e adorava cantar aquela música da Ivete Sangalo “Eu vou atrás do trio elétrico vou” (Baianidade Nagô). Como moro perto de dois colégios, a criançada adorava brincar com ele. Só espero que esteja bem.
Inspirada na França
Para determinar a entrega da ave à família, a juíza Rosana Navega levou em conta iniciativa da França, que mudou neste ano seu código civil reconhecendo os animais como seres com sentimentos. “Esta decisão visa ao bem estar do ‘Lourinho’”, afirmou a juíza em despacho.
A família da aposentada estuda entrar na Justiça contra o abrigo caso o pássaro não seja encontrado.
Segundo o Ibama, a ave foi apreendida por não ter marcação ou nota fiscal que comprovasse sua origem legal. Ela foi encaminhada ao centro, onde foi mantida com outras aves para integração e reaprendizado de voo. O órgão nega que o animal tenha desaparecido e acredita que a idosa não reconheceu nem foi reconhecida pelo pássario devido à ressocialização dele com outros da espécie.” – texto da matéria “Idosa tem papagaio apreendido. Justiça manda devolver, mas ave some”, publicada em 8 de outubro de 2016 pelo site do jornal Extra (RJ)
Primeiro comentário: não é de hoje que a imprensa trata casos como esse (em que uma pessoa cria um animal silvestre traficado) como se o ato da apreensão feito pela polícia fosse um abuso. O texto é confeccionado com alto grau de sentimentalismo, induzindo o leitor a ter dó do infrator. Onde ficou a isenção?
Segundo comentário: a imprensa tem esse tipo de comportamento porque faz parte da sociedade e, como tal, ainda está muito mal informada sobre os problemas do tráfico de fauna e do hábito de criar animais silvestres como bichos de estimação. Já passou da hora de a imprensa tratar o assunto com a responsabilidade de uma instituição que pode contribuir para a solução de um crime e um costume responsáveis pela retirada de, pelo menos, 38 milhões de animais silvestres todos os anos da natureza brasileira.
Terceiro comentário: a juíza considerou a senciência dos animais em sua decisão. Parabéns por estar bem informada, mas será que esse deveria ser a principal referência de sua argumentação? Creio que não. Manter o animal com o infrator, a nosso ver, é incentivar o hábito de criar silvestres como bichos de estimação. A punição com caráter educativo deixa de ser aplicada e mostra-se para a sociedade que a legislação deve estar errada e não funciona.
Animal silvestre tem necessidades diferentes daquelas dos domésticos. Tem comportamentos inatos, como a necessidade de viver em bandos de animais de algumas espécies de aves, de realizar grandes voos, etc., e que nenhum cativeiro doméstico é capaz de fornecer. Portanto, zelar pelo bem-estar deles é zelar por sua natureza selvagem e enviá-los para centros onde profissionais capacitados os reabilitem para a devolução à natureza (papagaios que vivem décadas em cativeiros conseguem, após muito trabalho, voltar à vida livre) e os que não puderem, que sejam destinados à zoológicos ou criadores conservacionistas para viverem com dietas adequadas e em ambientes preparados para cada espécie.
Quarto comentário: aceitaríamos sem crítica a decisão da juíza caso ela estivesse baseada na precária situação dos cetros de triagens (Cetas) e instituições similares existentes no Brasil. Infelizmente, a maioria deixa muita a desejar no trabalho de atender à fauna e dar destino adequado aos animais. A própria matéria do Extra já mostra um problema: cadê a anilha do papagaio de dona Irany? Uma ave, quando dá entrada em um Cetas, tem de receber uma anilha para ser identificada, localizada e ter seu histórico registrado. Nem isso o Cetas de Seropédica fez.