Por Elisângela de Albuquerque Sobreira
Médica Veterinária e mestre em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutora em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu). Já foi Gerente do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Anápolis (GO), onde fundou e mantém o Centro Voluntário de Reabilitação de Animais Selvagens (CEVAS)
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A febre maculosa brasileira é uma zoonose de notificação compulsória, com incidência e prevalência associada ao risco de parasitismo humano por vetores de carrapatos, o que torna a vigilância extremamente importante para o controle eficiente dessa enfermidade. Seu agente etiológico Rickettsia rickettsii apresenta grande patogenicidade e variabilidade genética, estabelecendo ampla variação nas taxas de letalidade. Embora a baixa morbi-mortalidade na população, ele está entre os agentes etiológicos mais letais de todas as doenças infecciosas conhecidas.
As infecções microbiológicas adquiridas por animais, conhecidas como zoonoses, têm um enorme risco para a saúde pública, sendo que 60% dos patógenos humanos emergentes são zoonóticos e mais de 71% deles têm origem na vida selvagem. Esses patógenos podem mudar de hospedeiro para a aquisição de novas combinações genéticas, o que altera seu potencial patogênico.
As mudanças nos habitat naturais geram desequilíbrios ecológicos que determinam modificações significativas na diversidade de interações entre reservatórios, hospedeiros e vetores, aumentando a chance de transmissão dessa enfermidade, que está potencialmente associada à distribuição da capivara em ambientes antropogênicos (derivados de atividades humanas). Os efeitos das mudanças climáticas na ecologia das paisagens resultaram em uma expansão do número de carrapatos e hospedeiros biológicos, com a conseqüente expansão de áreas de risco para a saúde humana ou animal nos últimos anos.
A emergência e reemergência de doenças transmitidas por carrapatos alcançaram um aumento geral de alta significância como fenômenos biológicos caracterizados pelas alterações acima descritas.
A capivara pode ser usada como sentinela para doenças transmitidas por carrapatos, como a febre maculosa brasileira, evidenciando a circulação de Rickettsia rickettsii e sugerindo seu envolvimento no ciclo de vida dessa bactéria. Uma superpopulação de capivaras em certas áreas endêmicas da doença será acompanhada por uma alta infestação ambiental para todos os estágios parasitários de carrapatos do gênero Amblyomma. Portanto, as capivaras em áreas urbanas devem ser consideradas espécies sinantrópicas (animais que se adaptaram a viver em povoamentos humanos, a despeito da vontade dos homens) e métodos eficazes de controle populacional precisam ser aprimorados. Existe uma relação entre o aumento da população de capivaras e o ressurgimento da doença em muitas áreas, uma vez que a população de capivaras e o número de casos de febre maculosa brasileira aumentaram significativamente nas últimas três décadas.
A transmissão ocorre pela picada de carrapato. Os principais sinais clínicos da febre maculosa em humanos são febre, náusea, vômito, enxaqueca e mialgia. Aparecem manchas do terceiro ao quinto dia e febre. Iniciam na palma das mãos e na planta dos pés, espalhando-se pelos membros até o tórax e o abdômen. Quando as manchas atingem tal magnitude, o quadro clínico já é grave e o prognóstico não é favorável.
Infelizmente, na maioria dos reservatórios selvagens, a infecção não é aparente. Os cães apresentam muitos sinais clínicos, dentre os quais os mais comuns são febre, letargia, depressão, anorexia, edema (lábios, escroto, prepúcio, orelhas e extremidades), lesões cutâneas, sangramento espontâneo, frequência respiratória alterada, conjuntivite, aumento do fígado e baço, mialgia, artralgia e arritmia cardíaca.
Ainda não existe uma vacina eficaz contra a febre maculosa brasileira. A principal medida profilática é evitar o contato com carrapatos. Nas áreas endêmicas, os carrapatos devem ser procurados na pele várias vezes ao dia e deve ser removido com cuidado, usando calor para fazê-lo cair do hospedeiro. Em seguida, deve-se aplicar uma solução antisséptica tópica nos locais.