Por Elisângela de Albuquerque Sobreira
Médica Veterinária e mestre em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutoranda em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu). Já foi Gerente do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Anáplois (GO), onde fundou e mantém o Centro Voluntário de Reabilitação de Animais Selvagens (CEVAS)
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O vírus responsável pela febre amarela (Flaviviridae) afeta diversas espécies de primatas africanos, sendo transmitido por mosquitos (Aedes spp.). O vírus e o mosquito Aedes aegypti foram introduzidos no Brasil na época da transferência de escravos vindos da África. Por aqui, são também transmissores (no ciclo silvestre) Aedes leococelaenus, Aedes fulvus, Sabethes choropterus, Haemagogus spp., afetando bastante o primata Alouatta spp. (bugio) e menos intensamente o Aotus trivirgatus (macaco-da-noite), o Saguinus spp. (sagui), o Ateles spp. (macaco-aranha), Saimiri spp. (macaco-de-cheiro), o Cebus spp. (macaco-prego), o Sapajus spp. (macaco-prego) e o Callicebus spp. (titi e zogue-zogue).
A doença se estendeu às regiões urbanas como decorrência de desmatamento e ocupação de áreas selvagens que foram degradadas e invadidas por humanos, possibilitando a adaptação do vírus à nossa espécie.
A forma urbana da doença está erradicada no Brasil. A patologia se apresenta entre os primatas neotropicais como eventos hemorrágicos, degeneração gordurosa do fígado e necrose hepatocelular (também no fígado).
A campanha contra maus-tratos aos macacos foi iniciada no Rio de Janeiro depois da morte de 118 primatas apenas neste ano. Os animais são hospedeiros da febre amarela, assim como os humanos, e apesar de não transmitirem a doença estão sendo atacados pela população. Estamos tendo resultados positivos, pois o trabalho de educação em saúde está sensibilizando a comunidade em nível nacional quanto aos maus-tratos e orientando quem é o verdadeiro vilão: os mosquitos.
Apenas os mosquitos transmitem a doença. Os macacos são vítimas, assim como os humanos.
Como se prevenir
A febre amarela ocorre nas Américas do Sul e Central e em alguns países da África, sendo transmitida por mosquitos em áreas urbanas ou silvestres. Sua manifestação é idêntica em ambos os casos de transmissão, pois o vírus e a evolução clínica são os mesmos — a diferença está apenas nos mosquitos transmissores. No ciclo silvestre, em áreas florestais, o vetor da febre amarela é principalmente o mosquito Haemagogus. Já no meio urbano, erradicada do Brasil, a transmissão se dá através do mosquito Aedes aegypti (o mesmo da dengue).
Sempre é bom seguir as recomendações do Ministério da Saúde: a única forma de evitar a febre amarela silvestre é a vacinação contra a doença. A vacina é gratuita e está disponível nos postos de saúde em qualquer época do ano. Ela deve ser aplicada 10 dias antes da viagem para as áreas de risco de transmissão da doença. Pode ser aplicada a partir dos 9 meses. É contra-indicada a gestantes, imunodeprimidos e pessoas alérgicas à gema de ovo. A vacinação é indicada para todas as pessoas que vivem em áreas de risco para a doença (região Norte, Centro-oeste, estado do Maranhão, parte do Piauí, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), onde há casos da doença em humanos ou circulação do vírus entre animais (macacos).
Outra recomendação bastante importante é a utilização de repelentes quando for adentrar em áreas de matas, o uso de camisa de manga longa, chapéu e calça comprida.
Como ocorre a transmissão
A febre amarela é transmitida pela picada dos mosquitos transmissores infectados. A transmissão de pessoa para pessoa e de macaco para pessoa NÃO existe. O Aedes aegypti é o transmissor da febre amarela nas cidades. Mas a doença que temos hoje no Brasil é a transmissão silvestre, transmitidas pelos vetores (mosquitos) silvestres chamados haemagogus e sabethes. Prevenir esse mosquito é impossível porque faz parte da natureza e são seres silvestres.
Mas se a pessoa tiver adentrado em áreas de matas e apresentar manifestações da doença, como febre alta, calafrios, cansaço, dor de cabeça, dor muscular, náuseas e vômitos por cerca de três dias, é recomendável procurar um médico. A forma mais grave da doença é rara e costuma aparecer após um breve período de bem-estar (até dois dias), quando podem ocorrer insuficiências hepática e renal, icterícia (olhos e pele amarelados), manifestações hemorrágicas e cansaço intenso.
A infecção acontece quando uma pessoa que nunca tenha contraído a febre amarela ou tomado a vacina circula em áreas florestais e é picada por um mosquito infectado. Ao contrair a doença, a pessoa pode se tornar fonte de infecção para o Aedes aegypti no meio urbano. Além do homem, a infecção pelo vírus também pode acometer outros vertebrados. Os macacos podem desenvolver a febre amarela silvestre de forma inaparente, mas ter a quantidade de vírus suficiente para infectar mosquitos.
Macacos heróis
Os macacos se transformaram em vilões após as notícias de aumento do número de mortes humanas causadas por febre amarela no país. As pessoas mortas foram, provavelmente, infectadas por mosquitos que anteriormente picaram macacos doentes. Mas os primatas na verdade são heróis, pois são vítimas como os humanos e a detecção de casos primeiro entre eles ajuda a evitar epidemias, casos urbanos e mais mortes de pessoas.
Os macacos fazem o que chamamos de papel de sentinela. Quando você começa a detectar a presença de primatas mortos é um indicador de que possa estar ocorrendo casos de febre amarela naquela região. Isso possibilita iniciar campanhas preventivas e de vacinação antes que a doença se espalhe e cause muitas mortes humanas. Os transmissores da febre amarela são os mosquitos e há a possibilidade de outros animais serem hospedeiros além de macacos, como marsupiais e preguiças.
Há casos registrados em que a área de contaminação não tinha primatas e anticorpos do vírus da febre foram encontrados em marsupiais. Há também registros de mosquitos que já nascem com o vírus, podendo transmitir a doença para humanos mesmo sem ter picado animais doentes. Isso ocorre porque o vírus pode invadir células dos ovários dos mosquitos, dando origem a insetos já infectados e que podem fazer a transmissão vertical.
A desinformação de algumas pessoas é bastante preocupante para nós que trabalhamos com controle de zoonoses e conservação dos primatas. Além de matar animais que não são transmissores e de erradicar matas, esses procedimentos podem facilitar a volta da febre em áreas urbanas, que está erradicada no Brasil desde a década de 40.