
Por Elisângela de Albuquerque Sobreira
Médica Veterinária e mestre em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutora em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu). Já foi Gerente do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Anápolis (GO), onde fundou e mantém o Centro Voluntário de Reabilitação de Animais Selvagens (CEVAS)
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O tráfico de animais selvagens é a terceira atividade ilícita do mundo e os psitacídeos (papagaios, araras, maritacas, dentre outros) estão entre os mais envolvidos nesse comércio por serem preferidos como animais de estimação por imitar voz humana e por sua coloração. Essas aves são mantidas em pequenas gaiolas, com superlotação, sem água e alimentos. Se uma estiver doente, contamina as demais através de micro-organismos nas fezes e nas secreções e o estresse que elas enfrentam facilita o desencadeamento das enfermidades, inclusive o risco de transmissão das doenças ao homem. A clamidiose é uma das principais zoonoses transmitidas ao ser humano.
A clamidiose aviária é uma enfermidade causada pela bactéria gram negativa Chlamydophila psittaci, e não acomete apenas as aves, mas também mamíferos e répteis. É de ocorrência mundial e pode causar infecção subclínica inaparente aguda, subaguda ou crônica e elevada mortalidade em aves selvagens e domésticas, caracterizada por infecção intestinal, respiratória ou sistêmica. O período de excreção da bactéria durante a infecção natural pode variar, dependendo da virulência da estirpe, carga infectante e estado imune do hospedeiro.
A eliminação da bactéria nas fezes é normalmente intermitente e se relaciona com o estado de estresse ao qual o animal está submetido. Tal estresse pode ser associado com deficiências nutricionais, transporte prolongado, superlotação, ambiente abafado, manuseio e reprodução. Grande número de células de Chlamydophila psittaci pode ser encontrado no exsudato (líquido produzido como reação a danos nos tecidos e vasos sanguíneos) do trato respiratório e em material fecal de aves infectadas, bem como na urina, secreções lacrimais, mucosas de cavidades orais e faríngeas.
Os humanos geralmente são infectados por meio da inalação da poeira contaminada, penas ou secreções e excreções em forma de aerossóis. O contato direto com aves infectadas, incluindo contato boca-a-bico e bicadas também podem transmitir a bactéria.
As taxas de morbidade e mortalidade da clamidiose aviária variam com a espécie hospedeira e a patogenicidade dos sorotipos. A taxa de morbidade (taxa de portadores de determinada doença em relação à população total estudada) costuma ser elevada, enquanto que a taxa de mortalidade é extremamente variável.
A manifestação dos sinais clínicos da clamidiose é variável e depende de diversos fatores, como estado imunológico da ave, espécie, idade, grau de infecção, via de transmissão e virulência do sorotipo envolvido, além de infecções concomitantes. Ela pode ser classificada em:
– forma inaparente: não há sinais clínicos aparentes e é comum em aves adultas expostas a sorotipos de baixa a média virulência. As aves permanecem portadoras e podem eliminar os corpos elementares do agente, intermitentemente, por vários meses, além de apresentar alterações inespecíficas como perda de peso, deficiência no empenamento e infecções bacterianas oportunistas;
– forma crônica: sinais clínicos discretos e negligenciados, caracterizados por emagrecimento progressivo, conjuntivite e discretas alterações respiratórias;
– forma aguda: comumente verificadas em psitacídeos. Apatia, sonolência, anorexia, asas pendentes e desidratação, além de blefarite, conjuntivite e corrimento nasal. Ocorrem alterações respiratórias (rinite, sinusite e dispneia), digestivas (diarreia amarelo-esverdeada), urinária (poliúria), reprodutivas (infertilidade, morte embrionária) e, nos estágios terminais, alterações neurológicas (tremores, convulsões, opistótono e paralisia);
– forma superaguda: em aves jovens, com óbito em poucas horas, sem sinais clínicos.
A antibioticoterapia inibe a eliminação do agente pela ave, mas a mesma continua susceptível à reinfecção pelo mesmo sorotipo ou por outros. Para eficácia do tratamento é necessária a escolha adequada da droga, formulação, dosagem e vias de administração. É importante também a implementação de medidas rigorosas de limpeza e desinfecção no criatório para diminuir a presença do agente. Juntamente com o tratamento com antibióticos, a ave deve receber terapia de suporte, incluindo fluidoterapia, suplementação da dieta, alimentação com sonda, antibioticoterapia para infecções bacterianas secundárias e permanecer em ambiente isolado.
As manifestações clínicas são apresentadas devido à captura, manejo e confinamento dos animais, aumentando o estresse quando retirados da natureza de maneira abrupta e cruel para serem comercializados como animais de estimação.