Por Elisângela de Albuquerque Sobreira
Médica Veterinária e mestre em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutoranda em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu). Já foi Gerente do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Anáplois (GO), onde fundou e mantém o Centro Voluntário de Reabilitação de Animais Selvagens (CEVAS)
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A maioria das infecções bacterianas nos primatas do Novo Mundo manifestam-se nos animais recém capturados. Os agentes causais, na maioria dos casos, são bactérias consideradas “patógenos oportunistas”. Nesse grupo temos: Klebsiella, Bordetella, Diplococcus, Pasteurella e Staphylococcus. As infecções provocadas por bactérias são responsáveis por altas taxas de mortalidade e/ou morbidade em primatas, podendo afetar um número elevado de animais de um plantel, como no caso de infecções provocadas por Leptospira, Shigella e Campylobacter. Mas também há casos em que apenas um indivíduo é afetada, como pode ser observado em infecções oportunistas por Staphylococcus aureus ou Pseudomonas spp.
Esses microorganismos costumam ser parte da microbiota bacteriana normal de numerosas espécies de animais. Habitam com freqüência as vias respiratórias, o trato digestivo e a pele. Eles se tornam patogênicos (causadores de doenças) quando o hospedeiro experimenta certa tensão (estresse). Nos primatas selvagens, o rigor da captura e o transporte a outros lugares do mundo com muita frequência constituem motivo de estresse, o que pode ser suficiente para um ou mais desses microrganismos bacterianos iniciar a infecção.
Essa infecção pode restringir-se a um sistema orgânico determinado, como vias respiratórias, causando rinites, sinusites, broncopneumonias, ou podem disseminar-se na forma de bacteremia (bactérias no sangue). Em qualquer órgão podem ocorrer lesões localizadas, incluindo o cérebro e as meninges. Todos esses microrganismos ocasionam uma reação inflamatória purulenta nos órgãos em que atuam, acompanhada de diversos casos de necrose tissular segundo a patogenicidade do microrganismo.
Pode-se estabelecer diagnóstico específico somente mediante o isolamento e identificação dos microrganismos, seguido do antibiograma para indicar o tratamento mais eficaz. Devido ao número de bactérias patogênicas serem bastante elevado, a literatura descreve aqueles considerados como de maior importância para os primatas não-humanos.
Aeromonas hydrophyla
Há poucos casos descritos em relação a esse microrganismo, sendo associados a quadros entéricos ou septicêmicos em primatas neotropicais.
Bordetella bronchiseptica
Comumente encontrada no trato respiratório superior de diversos símios. Os surtos acometem diversos primatas, podendo levar à morte devido a quadro severo de broncopneumonia, principalmente nos animais mais jovens. Encontramos relato de broncopneumonia purulenta causada por Bordetella bronchiseptica em Saimiri sciureus (macaco-de-cheiro), casos de broncopneumonia aguda em Callithrix jacchus ( sagui-de-tufos-brancos) e Callicebus spp. (titis, guigó e zogue-zogue) provocados por Bordetella bronchiseptica.
Campylobacter
Trata-se de organismo mais frequentemente isolado em primatas não-humanos que estejam apresentando diarréia. Em criadouros com diferentes espécies de animais, costuma-se ser isolada frequentemente. É considerada uma zoonose importante, podendo causar uma enterocolite moderada ou grave, febre, náuseas, mal-estar, dor abdominal, diarréia aquosa e fétida e mialgia. Infecções provocadas pelo Campylobacter spp., em especial C. jejuni e C.coli, podem apresentar-se assintomaticamente em elevada porcentagem de animais.
Nos primatas não-humanos, a maioria dos quadros entéricos encontra-se relacionada a infecções por esse tipo de bactérias, associadas ou não a outros agentes patogênicos. O C. coli é considerado apatogênico, já o C.jejuni é causa comum de diarréia e enterocolite principalmente em Saguinus oedipus (saguim-cabeça-de-algodão). O Campylobacter spp. é frequentemente isolado em animais assintomáticos.
Em crianças e adultos imunodeprimidos, a doença pode ser fatal. A transmissão ocorre principalmente pela contaminação fecal, por via oral, sendo que os animais podem apresentar-se assintomáticos. O isolamento desse agente no sangue e nas fezes não é prova suficiente de patogenicidade devido a elevada incidência de portadores sadios, portanto devem ser realizadas provas sorológicas para comprovar o aumento do número de anticorpos (sorologia para IgG e IgM). Comprovada a infecção, o primata não-humano deve ser isolado e tratado. O tratamento consiste na reposição de fluidos e eletrólitos, além da terapia antimicrobiana. O antibiótico de preferência para o tratamento da enterite provocada pelo Campylobacter é a eritromicina via oral, mas existem algumas espécies resistentes – neste caso, uma segunda opção seria a enrofloxacina. Os testes de sensibilidade a antibióticos não são efetuados rotineiramente, mas são indicados nos casos em que os animais não respondem a eritromicinas ou a enrofloxacinas. O prognóstico costuma ser bom, sempre que tratado adequadamente com os antibióticos, fazendo a reposição dos fluidos e cuidando da terapia de suporte.
Para evitar a reinfestação do símio através das próprias fezes ou pelas fezes de outros animais mantidos na área e que podem interferir com a recuperação, rigorosas medidas higiênico-sanitárias devem ser tomadas.
Clostridium
Frequentemente encontrados no solo ou no trato gastrointestinal. O Clostridium tetani, durante o seu crescimento vegetativo, produz uma neurotoxina específica que provoca o tétano. Os seus esporos, que se encontram sobre os solos cultivados, ricos em matéria orgânica, entram no hospedeiro através de feridas na pele, sendo que o desenvolvimento da bactéria ocorre em ambiente anaeróbio. Foram relatados surtos de tétano em um bando de Saimiri sciureus ( macaco-de-cheiro) que eram mantidos em jaulas ao ar livre, apresentando um quadro agudo, culminando em óbito 24 horas após o surgimento dos sinais clínicos. São bactérias de difícil isolamento em cultura, sendo o seu diagnóstico geralmente baseado ou nos sinais clínicos ou nos achados macroscópicos.
Casos de dilatação gástrica aguda foram correlacionadas ao Clostridium perfringes. O C. piliforme foi incriminado como responsável pela morte de Saguinus oedipus (saguim-cabeça-de-algodão). A ingestão das neurotoxinas produzidas pelo Clostridium botulinum durante o seu crescimento vegetativo desencadeia a doença conhecida como botulismo. Já houve um surto fatal de botulismo em animais de três espécies de cebídeos que ingeriram alimentos contendo toxina botulínica, chegando a falecer 72 horas após o aparecimento dos sinais clínicos.
Corynebacterium
O isolamento do Corynebacterium spp, provocando quadro septicêmico com lesões cerebrais, foi relatado em Callithrix jacchus (sagui-de-tufos-brancos). Corynebacterium equi foi identificado em Saguinus oedipus ( saguim-cabeça-de-algodão) a partir de um grande abcesso pulmonar.
Erysipelothrix
Um quadro agudo e fatal de infecção por Erysipelothrix rhusiopathiae foi reportado em Saguinus nigricollis.
Escherichia coli (Colibacilose)
Normalmente encontradas na flora intestinal, sendo que alguns dos sorotipos são patogênicos. Transmissão fecal-oral. Os primatas com infecção apresentam sinais clínicos diversos, variando segundo o tipo de hospedeiro e o sorotipo da bactéria. Podemos encontrar: traqueíte, bronquite, pneumonia com secreção nasal e ocular mucopurulenta, dispnéia, apatia, anorexia, podendo ocorrer morte aguda. Encontramos relato em sagüis com diarréia aquosa que apresentaram congestão, edema e necrose da mucosa do íleo e cólon, sendo isolada a E. coli hemolítica. Ocorreram colite e meningite em Saimiri sciureus devido a infecção provocada pela E.coli sorotipo.
Portanto, sempre é bom lembrar que por mais cuidado que se tenha com a saúde dos primatas, principalmente os criados como estimação, sempre haverá risco de transmissões de doenças através de fezes, urinas, secreções nasais e oculares, sangue, saliva, dentre outros.