
Por Elisângela de Albuquerque Sobreira
Médica Veterinária e mestre em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutora em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu). Já foi Gerente do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Anápolis (GO), onde fundou e mantém o Centro Voluntário de Reabilitação de Animais Selvagens (CEVAS)
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A criptosporidiose é uma doença que pode ser transmitida pelo contato direto entre pessoas, entre animais e entre pessoa-animal ou de forma indireta pelo consumo de água e alimentos contaminados. Os protozoários do gênero Cryptosporidium sp. são parasitos que completam seu ciclo biológico na superfície de células epiteliais dos tratos respiratório, gastrointestinal e urinário de mamíferos, aves, répteis e peixes.
O turismo envolvendo animais selvagens vem aumentando em todo o mundo. Todos os animais marinhos, como golfinhos, botos e peixes-boi são mantidos em condições inadequadas, sem tratamento médico veterinário, alimentação que não faz parte de sua dieta nutricional e águas contaminadas, por exemplo. Isso faz com que os mesmos tenham sua resistência imunológica diminuída, facilitando a proliferação de micro-organismos, que podem, muitas vezes, serem transmitidos às pessoas que nadam e brincam com os animais enfermos.
A infecção nos mamíferos aquáticos ocasiona a perda de peso, diarréia, desconforto abdominal e letargia. Os sinais clínicos presentes em dugongos e peixes-boi marinhos são semelhantes aos transtornos descritos em outros mamíferos terrestres, nos quais foram observados quadros de diarreia aquosa, anorexia, perda de peso, dores abdominais e desidratação. Na dependência de fatores como a idade dos animais e o estado imunológico do hospedeiro, a infecção pode variar de subclínica a severa, sendo os animais jovens geralmente mais susceptíveis à infecção com manifestações mais severas da doença. Olson et al. (2004) mencionaram a susceptibilidade de focas infectadas pelo coccídio à inanição, à predação e/ou a adquirir outros agentes, sendo essas observações pertinentes aos demais mamíferos aquáticos.
Nos humanos, esse parasita está relacionado a um quadro de gastrenterite severa e prolongada em paciente imunodeficiente, bem como diarreias em indivíduos jovens. Quando a doença afeta pessoas mal nutridas ou imunodeprimidas, como é o caso de indivíduos portadores da AIDS, a infecção causa uma diarreia intensa e prolongada, juntamente com náuseas, vômito, cólica, redução de peso e febre, podendo evoluir para o óbito.
Até o presente, nenhum protocolo terapêutico foi descrito para o tratamento de infecções de Cryptosporidium spp. em mamíferos aquáticos. No entanto, os resultados mais expressivos entre os mamíferos terrestres foram alcançados por meio da utilização do paramomicina e o nitazoxanide, sendo o primeiro um antimicrobiano que reduz a excreção de oocistos (Steiner et al. 1997) enquanto que o segundo tem ação antiprotozoária (Abaza et al. 1998). Além destes fármacos, a reposição eletrolítica e o suporte nutricional são recomendados como parte do tratamento, com possibilidades ainda de estratégias terapêuticas promissoras como a utilização do colostro bovino hiperimune anti-C. parvum.
Antigamente, grande parte das pessoas que contraíam doenças decorrentes da interação com mamíferos aquáticos pertencia a populações isoladas de caçadores. Porém, atualmente os hospedeiros humanos dessa doença, em muitas ocasiões, são profissionais ligados a centros de reabilitação ou oceanários, os quais são diariamente expostos ao risco de infecção. A presença de Cryptosporidium spp. em peixes-boi amazônicos, representa um risco direto para a possibilidade de disseminação do agente para outros peixes-boi, para as demais espécies que utilizam os recursos hídricos da região e para a população humana, seja em momentos de recreação ou pelo consumo de água.