O silêncio dos insetos na primavera de Rachel Carson

Há poucos dias, acordei no meio da noite e prestando atenção só pude ouvir o nada. A questão é que moro em área florestada! Como assim, não ouvir nenhum som? Em vez de cigarras cantando, o silêncio.

Estamos na primavera e há bem pouco para comemorar em termos da saúde do nosso meio ambiente. A seca e os incêndios, combinados com a devastação de áreas verdes, têm esse efeito; esteriliza, não sobra nada, muito menos os insetos.

Um dos pontos-chave para qualquer segunda chance de um animal destinado à soltura é a capacidade de encontrar alimento. Insetos são o “prato do dia”, especialmente se falamos de avifauna. Inclusive, o Dia Mundial da Aves Migratórias deste ano destacou a importância dos insetos, num contexto em que ambos sofrem um alarmante declínio populacional.

Importância dos insetos para outros animais

Presentes em quase todos os ecossistemas do mundo, os insetos são fontes de alimento essenciais para as aves migratórias em suas longas jornadas. Muitas vezes, esses animais cronometram suas migrações para coincidir com a abundância de insetos. Animais, invertebrados são fontes de alimento essenciais para os aves que viajam em longas jornadas, mas enfrentam declínio de 9% a cada década. Desmatamento, agricultura industrial, uso excessivo de pesticidas, poluição e mudanças climáticas são os principais fatores que impulsionam essa tendência.

Muitas das espécies relacionadas a solturas, decorrentes do tráfico de fauna e da captura ilegal, são espécies que fazem deslocamentos territoriais em busca de alimentos. Coleirinhos (Sporophila caerulescens) e outros colegas desse grupo de aves, gênero Sporophila, podem se deslocar até 900 quilômetros em busca de floração de certas plantas como o bambu, sementes de capins nativos (uau! Sim, existem capins nativos, nem tudo é braquiária!), ou da revoada de enxames de insetos, como cupins.

Primavera Silenciosa

Em 1962, foi publicado um livro chamado Primavera Silenciosa, escrito pela autora americana Rachel Carson. Esse livro foi fundamental para colocar a questão ambiental no centro das discussões sobre o futuro do planeta, apresentando pela primeira vez para o público em geral o problema do uso indiscriminado de inseticidas e herbicidas e suas consequências.

Logo no início do livro, há a narração de uma fábula que termina com a frase:

“No witchcraft, no enemy action had silenced the rebirth of new life in this stricken world. The people had done themselves”, que, em tradução livre, significa que foram as próprias pessoas que silenciaram o renascer da vida…

Magistralmente bem escrito, o livro nos faz refletir sobre como ainda, após 62 anos do seu lançamento, o problema da destruição da vida no planeta está muito longe de ser resolvido.

O texto focado em apontar os efeitos dos inseticidas e herbicidas sobre o ambiente nos traz a seguinte frase:

“The most alarming of all man’s assaults upon the environment is the contamination of air, earth, rivers, and sea with dangerous and even lethal materials. This pollution is for the most part irrecoverable; the chain of evil it initiates not only in the world that must support life but in living tissues is for the most part irreversible.”

Traduzindo: o mais alarmante do todos os assaltos feitos pelos humanos ao ambiente é a contaminação do ar, da terra, dos rios e do mar e que essa poluição, em sua maior parte, é irreversível.

Hoje, além do sério problema da contaminação do planeta por agentes químicos, temos a questão do aquecimento global.

Mas o livro vai mais além e fala sobre o problema de desequilíbrio ambiental causado pelas monoculturas, ou seja, o famoso agronegócio, então vejamos:

“Single-crop farming does not take advantage of the principles by which nature works; it is agriculture as an engineer might conceive it to be. Nature has introduced great variety into the landscape, but man has displayed a passion for simplifying it. Thus, he undoes the built-in checks and balances by which nature holds the species within bounds”.

“A monocultura não se utiliza dos princípios vantajosos pelos quais a natureza trabalha; é uma agricultura concebida por um engenheiro, que contrário ao mundo natural diversificado, possui uma paixão pela “simplificação”. Assim, esse engenheiro vai “desfazendo” os pesos e contrapesos que mantém o equilíbrio com o qual a natureza mantém as espécies dentro dos seus limites” – tradução livre.

Estamos sentindo exatamente essa perda de equilíbrio ambiental na falta de ar para respirar. Na simplificação imposta pelo uso do meio de forma descontrolada, onde cada um faz o que acha, seja pela redução de custos, seja pelo crime, todos perdem. Perdem mesmo: anos de vida e a saúde. Onde está a lógica? Ou, como escreveu o Greenpeace, na calha seca do rio Solimões, estado do Amazonas: Who pays? (Quem paga?)

Termino este artigo com a última citação do livro da Rachel Carson, Primavera Silenciosa:

“These insects, so essential to our agriculture and indeed to our landscape as we know it,
deserve something better from us than the senseless destruction of their habitat.”

E essa eu nem preciso traduzir, não é? Eles merecem mais do que esta destruição sem sentido de nosso hábitat…

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