Pássaros que podem demorar muito para serem avistados no mesmo local

Em 2018, quando estava fazendo o inventário de aves da Floresta Nacional de Passa Quatro (MG), entre os meses de maio e junho, fiz alguns avistamentos do pixoxó (Sporophila frontalis), esse lindo passarinho que está logo acima.

Nas datas em que o avistei, gravei seu canto, mas não insisti no registro fotográfico porque não tenho o hábito de forçar situações para foto e pensei que poderia registrá-lo em outra ocasião. Porém, na semana seguinte, o pixoxó não estava mais por lá e na época eu não sabia que poderia demorar, em média, 12 anos para que eu pudesse reencontrá-lo no mesmo local. Então, fiquei muito arrependida…

Como não gosto que meus queridos admiradores de aves tenham esse sentimento, decidi esclarecer quais são as espécies que podem aparecer novamente em um local após muito tempo e, claro, explicar por que isso pode acontecer de forma natural. A ideia é ajudar você a não perder oportunidades quase únicas de registrá-las com prioridade.

Especificidade na alimentação

Algumas aves apresentam uma relação muito forte com espécies nativas de bambu. O que acontece é que a maioria dos bambus apreciados por esses animais têm um ciclo de floração e frutificação muito longo, que pode demorar de oito a 16 anos (12 na média), podendo chegar até mais (20, 30 e 34 anos ). Isso dificulta muito o registro no mesmo local. Mas como meu foco está sempre em você, que é admirador de aves, quero ajudar a prever a presença de algumas espécies de acordo com a floração e frutificação de determinadas espécies de bambu nativo, como a taquara (Merostachys neesii), o cará (Chusquea sp.) e a taboca (Gradua sp.).

Além de conhecer as espécies de bambus nativos que os pássaros gostam e que as flores e frutos demoram para ser produzidos, é essencial conhecer quais são as espécies de aves intimamente relacionadas a essas plantas. A relação desses animais com o bambu é tão vital que eles se comportam como nômades, acompanhando a floração e frutificação dessas plantas em toda a área de ocorrência para alimentarem-se.

Apesar de deslocarem-se em busca desse alimento que o bambu fornece, essas aves não são consideradas migratórias. Isso porque os deslocamentos não têm um ciclo anual definido, não têm época específica para acontecer e nem são ligados às áreas de reprodução. Dessa forma, o conceito de espécie migratória não é atendido. Por essa razão, aves com esse comportamento são chamadas de nômades, já que normalmente os indivíduos não têm a chance de alimentarem-se em um mesmo local durante suas vidas. Eles passam a vida deslocando-se possivelmente muitos quilômetros e quando esse alimento específico acaba, o bando todo desaparece do local.

Encontre o bambu e busque essas aves

É quase certo que em locais onde há bambus frutificando você deve encontrar aves como a cigarra-bambu (Haplospiza unicolor), o pixoxó (Sporophila frontalis), a cigarrinha-do-norte (Sporophila schistacea), a cigarrinha-do-sul (Sporophila falcirostris), a cigarra-preta (Asemospiza fuliginosa), o negrinho-do-mato (Amaurospiza moesta) e também a raríssima pombinha pararu-espelho (Claravis godefrida), que são espécies de registro pouco frequente no dia-a-dia do observador de aves.

Nas serras do Sudeste do Brasil, como na Mantiqueira, um fenômeno extraordinário é o aparecimento de milhares de pixoxós, por ocasião da frutificação da taquara (Merostachys neesii). Esse bambu lhes fornece um abundante alimento chamado de “arroz de taquara”, acumulando às vezes camadas de vários centímetros no solo. A quantidade de indivíduos é tão expressiva que o canto domina a paisagem sonora das matas serranas.

O interessante é que o pixoxó habita principalmente o interior e as bordas das florestas, que coincide com as áreas em que muitas plantas sofrem os efeitos negativos causados pelos bambus – principalmente devido à competição por nutrientes, obstrução da luz e limitação da dispersão de sementes. Sendo assim, o papel do pixoxó no consumo das sementes de bambu é um benefício essencial para a saúde das matas, pois auxilia na manutenção do equilíbrio das espécies vegetais, já que há indícios de que a floração da taquara ocorre principalmente em anos muito secos, o que seria uma autodefesa do bambu antes de morrer, deixando sementes em abundância para o pixoxó consumir em ambientes equilibrados.

Espero que tenha aprendido muito com este artigo que escrevi com carinho para que você tenha mais facilidade para registrar esses raros passarinhos em seu hábitat natural.

Referência

• Artigo: Predação do pixoxó Sporophila frontalis (Aves: Emberizidae) em sementes de Merostachys neesii (Poaceae: Babusoideae) durante um evento de frutificação em massa na floresta Atlântica

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