O lobo-guará Urbano volta à natureza

Vou compartilhar mais uma história que nos faz acreditar na conservação da fauna, inspirando profissionais a manterem seus propósitos e, ao mesmo tempo, sensibilizando sobre a importância da proteção dos ambientes naturais e da coexistência entre humanos e fauna silvestre.

O caso do lobo-guará Urbano

Em março deste ano, em São Paulo, cidade mais populosa do Brasil, em meio ao caos de pessoas, trânsito e o tudo mais que uma metrópole tem a oferecer, apareceu um lobo-guará (Chrysocyon brachyurus). Desorientado e debilitado, foi resgatado pela Guarda Civil Municipal Ambiental e encaminhado ao Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas), unidade da Divisão da Fauna Silvestre da prefeitura responsável por receber as solicitações de resgate, identificar as espécies e atender os animais feridos ou em risco. Lá, passou pelos primeiros atendimentos e pela avaliação de seu estado geral. Também ganhou o nome de Urbano.

Após a avaliação da equipe, a boa notícia foi que Urbano estava em condições de ser solto e retornar à natureza rapidamente. Sob a coordenação do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), centro de pesquisa do ICMBio que realiza pesquisas e manejo para conservação de mamíferos terrestres do Brasil como canídeos e felinos, o projeto de soltura e monitoramento começou a ser articulado.

O Instituto Libio foi então acionado para participar dessa ação! Já contei aqui sobre a nossa participação da soltura do Canelinha e que, para esse trabalho, foi construído um recinto específico de três mil metros quadrados para atender às necessidades dos lobos-guarás. Foi nesse espaço que, em abril, o lobo-guará Urbano chegou ao Instituto para ser acompanhado até que exames e o trâmite para soltura fossem finalizados. Na ocasião, a equipe de profissionais realizou as coletas necessárias, medições biométricas, marcação com brinco e colocação de colar GPS para o monitoramento.

Assista ao vídeo da chegada do Urbano no Instituto Libio!

O que é o monitoramento com colar GPS?

As técnicas de monitoramento com colar GPS são empregadas há bastante tempo – antes do advento do sistema de satélite, utilizava-se radiotelemetria. Esse método permite obter informações sobre a ecologia e o comportamento de animais silvestres sem a necessidade de contato direto com eles. O colar GPS transmite dados de localização, possibilitando o acompanhamento dos deslocamentos dos animais. Essas informações são essenciais para identificar padrões de movimentação, territorialidade e uso de recursos, além de outros parâmetros como sobrevivência e dispersão. Isso permite que a equipe responsável pelo monitoramento do Urbano acompanhe o seu percurso após sua soltura.

De volta à natureza

Durante os três meses em que esteve no Instituto Libio, Urbano foi cuidadosamente acolhido. Os tratadores Chico e Eric aguardavam ansiosamente o dia da soltura.

O momento especial chegou na sexta-feira, 19 de julho de 2024. A soltura foi realizada pelo método de hard release, adequado quando o animal está em boas condições de saúde e pronto para se cuidar sozinho.

Urbano foi colocado em uma caixa de transporte para o seu deslocamento. Conhecendo seu comportamento, o manejo foi rápido e eficaz, reduzindo o estresse. Em colaboração com o Instituto Pró-Carnívoros, o transporte até seu novo lar em uma cidade do interior do estado de São Paulo, que preserva áreas naturais da Mata Atlântica, foi tranquilo.

No final da tarde, com a luz alaranjada do crepúsculo combinando com a cor do lobo-guará, a porta da caixa foi aberta. Urbano saiu calmamente, olhou para nós como se estivesse se despedindo e seguiu em direção à vegetação, permitindo-nos admirar a beleza de seu movimento. Senti uma profunda emoção ao assistir a essa cena. Agradeço por ter o privilégio de testemunhar esse momento e desejo que Urbano aproveite sua segunda chance, encontre estabilidade, supere os desafios e tenha uma longa vida.

Desafios da coexistência humano – fauna

Não é incomum ouvir do aparecimento de animais silvestres em cidades e condomínios. A destruição e a redução dos hábitats, causadas pelo crescimento desordenado das cidades, malhas rodoviárias, grandes empreendimentos e agricultura, muitas vezes desconectam áreas naturais, fazendo com que animais surjam em ambientes urbanos. De acordo com o relatório Envisaging the Future of Cities, da Organização das Nações Unidas (ONU), 70% da população mundial estará vivendo em áreas urbanas até 2050. Atualmente, o planeta é habitado por 7,9 bilhões de pessoas, com mais da metade (55%) já residindo em cidades.

Esses dados mostram que a coexistência entre seres humanos e fauna se torna cada vez mais necessária. Segundo o Guia Diretrizes da UICN CSE sobre conflitos e coexistência entre humanos e animais selvagens, os conflitos entre humanos e animais selvagens causam impactos negativos tanto para as pessoas quanto para os animais. A coexistência, por sua vez, surge na ciência da conservação como uma abordagem para tratar as interações humanas com animais silvestres, promovendo o compartilhamento sustentável de paisagens e recursos. Esse é um grande e complexo desafio que envolve o contexto ecológico e social das interações, além de estar diretamente relacionado com a segunda chance de muitos animais para seu retorno à natureza.

Agradecimentos

Essa ação só foi possível graças à colaboração de diversas instituições, cada uma contribuindo para um objetivo comum: Cenap/ICMBio, Cemacas, GCM Ambiental, Instituto Pró-Carnívoros, Café Lobo do Serrote e Instituto Libio.

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