
“Após uma semana repleta de maus exemplos na relação do homem com a natureza aqui no Norte Araguaia, com adolescentes matando uma cobra com mais de dois metros e incontáveis quilos de pescado presos sendo transportado de forma ilegal, a semana termina com um bom exemplo vindo de Luciara.
Uma criança adotou um filhote de veado a alguns dias depois que a mãe dele foi devorada por uma onça em uma fazenda do interior do município. A criança cuida da alimentação do filhote e passa o dia fazendo carinho e brincando com ele.
O mais interessante é que o animal retribui o afeto. Ele é criado livre na propriedade, mas passa o dia envolta da criança. O caso de amor inesperado sensibiliza que visita o local. O Ibama e a Sema serão comunicados do fato, mas como não há um local adequado para receber estes tipos de animais, uma vez que o zoológico de Cuiabá está interditado, a tendência é que o filhote continue sobre os cuidados da família de Luciara.” – texto da matéria “Criança adota animal silvestre, filhote ficou órfão mãe ser devorada por onça”, publicada em 11 de setembro de 2015 pelo site 24 Horas News (MT)
A matéria peça pela ingenuidade com que trata o caso, além da ausência de senso crítico ao abordar a falta de estrutura do poder público responsável pela fauna silvestre do Mato Grosso.
A ingenuidade está no considerar um bom exemplo o veado adotado por uma criança. O caso pode até chamar a atenção pelo carinho do menino com o filhote, que no máximo é um exemplo de afeto e de um garoto com grande potencial para respeitar o meio ambiente. No mais, a veiculação do caso pode ser um grande incentivo para as pessoas considerarem animais silvestres como bichos de estimação, como seres que sempre precisam da intervenção humana para viver bem. Infelizmente, a imprensa está reforçando um comportamento que é, no Brasil, o grande incentivador do tráfico de animais silvestres.
A ausência de crítica a falta de estrutura do poder público em atender o caso com competência é o outro problema dessa matéria. O Estado e o Ibama deveriam ter condições de recolher o animal órfão, enviá-lo para um centro onde seria examinado e posteriormente encaminhado para uma entidade que realmente cuidasse do animal com o objetivo de reintroduzi-lo em seu habitat. Mas a incompetência dos administradores públicos faz com que o veado permaneça sob os cuidados da família que o encontrou.
E a ideia de que o animal está sendo bem cuidado na fazenda deve ser questionada. Apesar de não estar confinado, será que ele está recebendo alimentação adequada? Será que a proximidade com a presença humana não causará alteração de comportamento definitiva, dificultando ou impossibilitando que ele viva na natureza quando adulto? Muitas perguntas deveriam ser feitas.