O drama da pós-apreensão: o lado pouco divulgado do tráfico de animais

Dimas Marques
  • Dimas Marques

    Editor-chefe

    Formado em Jornalismo e Letras, ambos os cursos pela Universidade de São Paulo. Concluiu o curso de pós-graduação lato sensu “Meio Ambiente e Sociedade” na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo com uma monografia sobre o tráfico de fauna no Brasil. É mestre em Ciências pelo Diversitas – Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, onde pesquisou a cobertura do tráfico de animais silvestres por jornais de grande circulação brasileiros. Atua na imprensa desde 1991 e escreve sobre fauna silvestre desde 2001.

    Fauna News
05 de outubro de 2011
No final da noite de 25 de setembro de 2011, domingo, policiais federais pararam, no trevo do Ibó da BR-316, em Belém do São Francisco (PE), um caminhão durante uma ação de combate ao tráfico de drogas. Mas o tráfico encontrado foi outro: de animais silvestres.

Distribuídos em pequenas gaiolas metálicas (foto ao lado – Divulgação Ibama), foram encontrados 517 aves. A maioria era de papagaios-verdadeiros, mas havia também papagaios-galegos e maritacas-da-cabeça-azul. Wismar Queiroz Ramos, 35 anos, e Vanildo de Sousa Ferreira, 47, ambos residentes em Caruaru (PE), foram detidos e, como é previsto legalmente, responderão pelo crime em liberdade. Como sempre, a lei fraca…

O frete foi contratado por R$ 5 mil. Segundo os acusados, o carregamento, pego em Juazeiro (BA), seria entregue em Maceió (AL).

“O delegado-chefe, no entanto, acredita que os animais seriam levados para a Feira de Caruaru (PE), onde seriam vendidos a preços que variam de R$ 100 a R$ 200. “Maceió não faz parte da rota convencional de tráfico. Provavelmente eles tentaram despistar os policiais”, opina Cristiano de Oliveira Rocha.” – texto do blog Elba Galindo, publicado em 27 de setembro de 2011


Aves nos primeiros momentos após a apreensão
Foto: Divulgação Polícia Federal

Esse caso é, infelizmente, apenas mais um entre tantos que ocorrem no Brasil. Mas, o que poucos na imprensa mostram é o que acontece após a apreensão. Simplesmente dramático!

Por isso pedi para a presidente da ONG ECO – Organização para a Conservação do Meio Ambiente, Kilma Manso, escrever sobre como foram os momentos após a apreensão para tentar salvar as aves. Engenheira agrônoma e mestre em Ciências Florestais, ela está desde a apreensão envolvida nos cuidados aos animais, que foram encaminhados para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama em Recife.

Envolva-se com a leitura!

Bastidores de uma apreensão

Por Kilma Manso
Fotos: Arquivo pessoal

Eram 22h22min da segunda-feira quando recebi uma ligação de um amigo biólogo que trabalha no Centro de Triagem de Animais Silvestres – CETAS – da Superintendência do Ibama em Recife (PE), ocasião em que ele me relatou que estava terminando o trato e o fornecimento de alimentação aos mais de quinhentos filhotes de papagaios e jandaias que foram apreendidos na madrugada daquele dia, em uma cidade distante de Recife cerca de 700 quilômetros.

Conversamos sobre os acontecimentos relativos à apreensão dos animais e principalmente sobre os detalhes e desdobramentos da apreensão. Nossa preocupação estava centrada no que precisaríamos fazer para ajudar aqueles filhotes apreendidos a sobreviver diante de tão limitadas condições disponíveis, especialmente no que se refere à disponibilidade de alimentação específica e de pessoal para realizar o manejo alimentar, pelo menos três vezes ao dia, devido ao fato de serem muito novinhos e completamente dependentes de auxílio para comer.

Encerrada a nossa ligação telefônica, partimos, cada um de nós, em busca de apoios, muito embora já fosse quase meia-noite. Então, a primeira coisa que providenciei foi efetuar uma postagem, talvez melhor dizendo, um apelo, nas redes sociais que participo, informando sobre o fatídico acontecimento e a drástica realidade com a qual nos deparávamos a partir de então.

Assim, pedi especialmente por ajuda para as atividades de alimentação dos filhotes, pois dada à elevada quantidade de animais, sabia que precisaríamos de muitos voluntários para dar cabo de tanto trabalho. E justamente por também saber que poucas pessoas têm habilitação específica neste tipo de atividade, já me prontifiquei a ensinar a todos aqueles que quisessem nos ajudar e que não soubessem da prática de alimentação de filhotes de aves.

Felizmente recebi um maravilhoso volume de mensagens de apoio e de pessoas que se prontificaram a participar dos trabalhos. Adicionalmente, enviei um grande número de mensagens de e-mail para diversos apoiadores de projetos de conservação de animais, com o propósito de que nos ajudassem a conseguir meios para a aquisição dos alimentos (ração) que se farão necessários para o desenvolvimento de todos os filhotes apreendidos, até que os mesmos consigam se alimentar com outros tipos de comida, a exemplo de frutas, legumes e grãos.


Volutários alimentando os papagaios no Cetas

No dia seguinte, já contamos com a ajuda de diversos voluntários para auxiliar nas atividades de alimentação dos animais. Entretanto, como não havia no Ibama disponibilidade de ração específica (papinha) para filhotes dessas espécies, e mesmo com o pedido de compra tendo sido realizado logo no início da manhã, a ração foi entregue somente quase na hora do almoço.

Esse atraso tumultuou bastante todas as demais atividades de manejo que precisaríamos fazer com os animais, haja vista que os mesmos estavam bastante estressados e debilitados com as longas viagens a que haviam sido submetidos nos dias anteriores, bem como, devido ao elevado período de tempo sem receber qualquer tipo de alimentação. Desse modo, ao finalizar o fornecimento de alimentação de todos os filhotes, trabalhamos o restante do dia para conseguir organizar todos os animais em contentores/caixas, como também para fazer uma triagem dos filhotes conforme os estágios de desenvolvimento, principalmente para facilitar o seu manejo alimentar.

A partir do dia seguinte (quarta-feira), com os filhotes já devidamente agrupados em caixas/contentores conforme seus estágios de desenvolvimento, e com as respectivas caixas ordenadas também seguindo esse critério, conseguimos impor uma rotina de procedimentos de alimentação bem mais ágil e célere. Essa organização permitiu priorizar o fornecimento de alimentação sempre aos animais mais jovens e debilitados. Com uma equipe de cerca de dez pessoas, realizamos cada período de alimentação dos filhotes em apenas três horas!


As aves foram colocadas em caixas de acordo com estágio de desenvolvimento

E assim nos sobra cerca de duas horas para fazer toda a limpeza e re-arrumação da sala onde os animais estão alojados, como também toda a limpeza e esterilização dos materiais e utensílios empregados na alimentação dos mesmos, antes do início do próximo período de alimentação do dia.

Hoje me sinto extremamente feliz em constatar que, desde a chegada dos animais no Ibama, apenas dois animais morreram!

Os trabalhos de alimentação, realizados quase que exclusivamente pelos voluntários, têm sido exaustivos, pois temos atuado diariamente das 7h para além das 20h! Mas, o que mais importa é saber que os filhotes estão, diariamente, se recuperando das debilidades nutricionais pelo que haviam passado e se desenvolvendo muito bem. Estou bastante esperançosa de que rapidamente conseguiremos superar esta fase crítica de risco de mortalidade e que salvaremos a todos esses pobres animais vitimados pelo tráfico, de modo a permitir que estejam aptos a participar de programas de reintrodução de fauna silvestre em suas regiões de origem o mais brevemente, e assim possam estar de volta à natureza.

Lugar de onde nunca deveriam ter saído!

– Leia o post completo sobre a apreensão do blog Elba Galindo
– Leia a nota informativa do Ibama sobre a apreensão
– Releia o post do Fauna News sobre a época crítica para o tráfico de papagaios, publicado em 19 de setembro de 2011

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Sobre o autor / Dimas Marques

Formado em Jornalismo e Letras, ambos os cursos pela Universidade de São Paulo. Concluiu o curso de pós-graduação lato sensu “Meio Ambiente e Sociedade” na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo com uma monografia sobre o tráfico de fauna no Brasil. É mestre em Ciências pelo Diversitas – Núcleo de Estudos das […]

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