Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Reduzir as fatalidades de fauna em rodovias e ferrovias é um desafio que ainda carece de muitas respostas e preenchimento de lacunas do conhecimento para que possa ser efetivamente realizado. Um conhecimento mais estabelecido é de que o uso de cercas que bloqueiem o acesso da fauna às infraestruturas viárias reduz as colisões com os veículos. Logicamente, se não há animais na pista ou no trilho, não haverá mortes.
Ainda que pareça relativamente simples solucionar o problema, muitos são os desafios entre saber que o uso de cercas pode reduzir atropelamentos e de fato isso acontecer. É preciso definir onde instalar essas cercas e isso envolve questões complexas como identificar locais prioritários para a fauna, logística e viabilidade de engenharia, de segurança, orçamentária e até de furto desses equipamentos. Mas supondo que esses primeiros desafios tenham sido vencidos, ainda assim há questões bastante desafiadoras ligadas às características da cerca, especialmente para algumas espécies. É o caso dos animais arborícolas, por exemplo, que têm a habilidade de escalada extremamente desenvolvida e dos animais pequenos, que podem ser bastante ágeis e leves para escalar a cerca ou até passar por seus buracos.
Um estudo recente realizado na Europa testou a efetividade de uma cerca de arame com malha de 6,5 mm x 6,5 mm (amplamente utilizada para redução de atropelamentos naquela região) em bloquear a passagem de animais pequenos. Eles selecionaram três espécies de mamíferos (pequenos roedores) e duas de anfíbios (uma rã e um sapo) para realizarem os testes. Dentre os mamíferos, duas espécies são típicos corredores com pouca habilidade para saltos (Cricetus cricetus e Microtus arvalis) e uma possui boa habilidade de escalada e para saltos (Apodemus sylvaticus). Já entre os anfíbios, uma espécie é mais ágil e com boa habilidade para saltos (Pelophylax ridibundus), enquanto a outra é menos ágil e com capacidade limitada para saltos (Bufotes viridis).
Foram testadas cercas com entre 30 e 40 centímetros de altura, com e sem dobra na aba superior. Os experimentos foram realizados no período noturno (com câmeras de infravermelho) devido ao comportamento das espécies testadas em arenas especificamente desenhadas para isso, onde os animais só poderiam passar entre os lados da arena através das cercas.
Considerando as cinco espécies, 185 indivíduos foram testados. Quase todos os adultos de todas as espécies foram capazes de passar pelas cercas de 30 a 40 centímetros sem dobra superior. A adição da dobra foi capaz de bloquear as duas espécies de anfíbios testadas, mas apenas uma das três espécies de mamíferos (Microtus arvalis). As outras duas (Cricetus cricetus e Apodemus sylvaticus) tiveram 80% e 75% de sucesso de travessia, respectivamente, nas cercas com dobra (considerando indivíduos adultos).
Mas como os animais atravessaram a cerca?
Sete indivíduos juvenis de Bufotes viridis conseguiram atravessar diretamente nos buracos de 6.5 mm da cerca. Todos os outros indivíduos dessa e das outras quatro espécies, independentemente do tipo de cerca, cruzaram a cerca escalando (e nenhum pulando). Dentre os mamíferos, alguns escalavam toda a extensão da cerca e outros (os maiores) se seguravam diretamente na dobra e se puxavam para cima.
Os pesquisadores recomendam fortemente que esse tipo de cerca não seja adotado para os animais de pequeno porte. Embora o estudo tenha aplicado algumas variações de metodologia entre as espécies, ficou claro a facilidade que esses animais tiveram para traspor a cerca. Mesmo para os anfíbios que foram bloqueados pela cerca com dobra, os indivíduos menores conseguiram passar pelos pequenos buracos da cerca (6,5 mm). Além disso, outras espécies, que não foram avaliadas, mas que tenham habilidade de escalada, poderiam facilmente cruzar a cerca.
No Brasil, por exemplo, existem muitas espécies de anfíbios arborícolas e pensar em cercas adaptadas para bloquear o cruzamento dessas espécies é uma urgência e um desafio. Como vimos em outro artigo, já existem iniciativas testando estratégias para esse grupo por aqui e desbravando as fronteiras do conhecimento em relação à redução de mortes de animais de pequeno porte.
Embora os desafios ainda sejam muitos e a caminhada longa, é por meio de estudos como os descritos aqui e de colocá-los em prática que vamos nos aproximar de uma mitigação mais efetiva.
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