Análise de Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
“Eita que eu vim atrás de arara e encontrei duas passarinha!”
Essa foi a fala que introduziu o tráfico de animais na novela Pantanal, da TV Globo. Apesar de estar baseada em uma trama escrita há 32 anos, a nova versão do sucesso televisivo da extinta Rede Manchete de Televisão tem trazido questões atuais para a história. Homossexualidade, o espaço das mulheres na sociedade, vegetarianismo, as queimadas e tantos outros temas atuais estão sendo abordados na ficção.
E no capítulo exibido na noite de ontem, 30 de abril, o tráfico de fauna silvestre ganhou espaço na trama. Nada mais correto e verossímil, afinal boa parte dos papagaios e araras sequestrados de seus habitat para serem transformados em bichos de estimação por comerciantes ilegais e pela parcela da população que os compra vem do Mato Grosso do Sul, onde está a fazenda de José Leôncio (Marcos Palmeira).
Em determinado momento do capítulo, um barco cheio de gaiolas aparece na margem de um rio. Na sequência da cena, a primeira dica do que o dono daquela embarcação estaria procurando na região é dada pelo Velho do Rio (Osmar Prado), que o chama de “caçador”.
O estranho desembarca e, armado de espingarda, acaba encontrando Juma Marruá (Alanis Guillen) e Muda (Bella Campos) se banhando no rio. O bandido ameaça ambas, dando a entender que um estupro iria ocorrer. Mas filha de onça, onça é. Juma ataca o homem e arranca uma de suas orelhas com uma mordida…
O bandido, sangrando muito foge e acaba entrando no rio, onde é comido por piranhas. Joventino (Jesuíta Barbosa) e Tadeu (José Loreto) presenciam a morte. O barco daquele estranho, cheio de gaiolas, acaba sendo deixado no curso d’água, sendo posteriormente encontrado por peões da fazenda de José Leôncio.
Poderia ter sido melhor
O fazendeiro, em conversa com Joventino e Tadeu, foi direto ao comentar que o bandido mereceu ter morrido. A partir daí, infelizmente, a TV Globo perdeu uma ótima oportunidade de investir contra o tráfico de animais de maneira eficiente.
Ao invés de desestimular totalmente a população a ter animais silvestres como bichos de estimação, a fala de José Leôncio para Joventino explica que o correto é ter animal silvestre de criadouro legalizado, com anilhas ou microchip – e nota fiscal, como lembrou Tadeu, no diálogo. Ou seja, para a TV Globo animal silvestre poder viver a vida toda em cativeiro, sendo que o problema está restrito à questão da ilegalidade da origem do bicho.
É fato que o comércio legalizado de animais silvestres não ajuda a diminuir o tráfico de fauna. Se isso fosse verdade, não teríamos, por exemplo, os papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) como uma das espécies mais traficadas no Brasil – afinal de contas, essa ave é uma das que mais “possui” criadouros comerciais autorizados pelos órgãos ambientais do país.
Ao contrário, o comércio legalizado é um incentivo ao tráfico. A partir do momento em que o Estado brasileiro permite a venda de animais, o poder público reforça para a população que ter silvestre como pet é aceitável – não sendo, portanto, uma atividade cruel e cheia de problemas na forma como as pessoas criam esses bichos (que não possui a menor regulamentação). São gaiolas pequenas, dietas inadequadas, restrições a comportamentos naturais e por aí vai.
É também o comércio legalizado de silvestres para o mercado pet que cria demandas. Assim, se há uma grande procura por determinada espécie de ave nas lojas e criadouros, consequentemente haverá um reflexo desse comportamento no mercado ilegal.
Vale lembrar que as espécies com maior quantidade de animais apreendidos com traficantes de fauna ou em criação doméstica ilegal são justamente aquelas criadas legalmente – seja comercialmente ou na criação amadora de pássaros.
Poxa vida, TV Globo, vamos melhorar isso? A novela mal começou, está indo bem, com audiência ótima e muita coisa ainda irá acontecer. Temos uma excelente oportunidade de realmente combater o tráfico de fauna. E o caminho é pela mudança de comportamento: animal silvestre não é pet – inclusive os nascidos em criadouros legalizados!