O Cemitério dos Pterossauros, situado no estado do Paraná, Brasil, é um sítio paleontológico de significativa importância, reconhecido internacionalmente pela quantidade e qualidade excepcionais dos fósseis descobertos. O nome do local deriva da enorme concentração de fósseis de pterossauros, com centenas deles encontrados em quatro camadas sucessivas de um único sítio.
Esses répteis voadores habitaram a Terra durante o período Cretáceo, há aproximadamente 100 milhões de anos, e suas ossadas fornecem dados valiosos sobre a vida pré-histórica e a evolução desses animais.
Os fósseis mais abundantes no Cemitério dos Pterossauros pertencem à família dos tapejarídeos, representados por centenas de esqueletos parciais, incluindo-se dezenas de crânios de várias idades, variando desde pequenos filhotes até adultos. Os tapejarídeos foram pterossauros frugívoros, de porte pequeno (com cerca de dois metros de envergadura), que possuíam bicos desdentados curvados para baixo (semelhantes aos dos papagaios) e cristas ósseas elaboradas que adornavam suas cabeças e mandíbulas. Até 2023, acreditava-se que todos os fósseis de tapejarídeos encontrados no Cemitério dos Pterossauros pertencessem a uma única espécie, denominada Caiuajara dobruskii.
Porém, um novo estudo publicado neste ano apresentou análises (com base no acervo de fósseis já previamente coletado) que indicam que os fósseis atribuídos a Caiuajara dobruskii se dividem em dois grupos (ou morfótipos). Cada um desses grupos apresenta pequenas diferenças anatômicas que indicam que, na verdade, correspondem a duas espécies distintas. Enquanto uma delas representa o próprio Caiuajara dobruskii, a outra foi identificada como uma nova espécie, batizada como Torukjara bandeirae.
Pode-se dizer que, de certa forma, o Torukjara permaneceu “escondido” no acervo de fósseis do Cemitério dos Pterossauros, “disfarçado” de Caiuajara, aguardando sua identificação. Vale notar que este tipo de situação não é rara na Paleontologia. Grandes acervos de sítios ricos em fósseis podem conter espécies distintas que são muito parecidas, tornando difícil a identificação das diferenças até que comparações anatômicas detalhadas sejam realizadas; um processo que demanda tempo.
As diferenças entre Caiuajara e Torukjara são relativamente sutis, lembrando, por exemplo, a situação entre uma onça-pintada e um leopardo ou entre uma queixada e um cateto. O Torukjara difere do Caiuajara em vários pequenos detalhes anatômicos, como na morfologia do palato, em que o Torukjara apresenta uma quilha, a qual é ausente no Caiuajara. Ainda assim, ambos possuem tamanhos e proporções corporais semelhantes.
O nome Torukjara faz referência ao toruk, uma grande criatura alada do universo cinematográfico de Avatar (2009), que se assemelha superficialmente aos tapejarídeos devido à presença de cristas em seu focinho e mandíbula. Já o epíteto específico, bandeirae, presta homenagem à paleontóloga brasileira Kamila Bandeira, colunista neste espaço. Além de ser responsável por diversas descobertas paleontológicas de grande relevância para a paleontologia brasileira (como as do Austroposeidon magnificus e Tietasaura derbyana), Kamila foi também responsável por notar a diversidade anatômica dos tapejarídeos do Cemitério dos Pterossauros pela primeira vez, estimulando o desenvolvimento do estudo que levou ao batismo da espécie nova.
A descoberta dessa nova espécie ressalta a importância do Cemitério dos Pterossauros como um sítio paleontológico de grande relevância mundial. Agora, o local abriga três espécies de pterossauros (Keresdrakon vilsoni, Caiuajara dobruskii, Torukjara bandeirae), duas de dinossauros (Vespersaurus paranaensis e Berthasaura leopoldinae) e uma de lagarto (Gueragama sulamericana). Isso reforça a necessidade de proteção e conservação desses sítios, tanto para pesquisas futuras quanto para a educação pública sobre a rica história do Brasil pré-histórico.
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Biólogo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Evolução e Diversidade pela Universidade Federal do ABC. Atua na área de Paleozoologia, desenvolvendo pesquisas sobre pterossauros e outros répteis fósseis.
