Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É pesquisadora colaboradora do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Por possuírem a capacidade de voar, as aves aparentam ser menos preocupantes aos efeitos das rodovias. Entretanto, sabemos que elas também são muito atropeladas e provavelmente algumas espécies evitam as travessias e sofrem com outros impactos, como o efeito barreira. Desenvolver e testar estratégias que reduzam as colisões e aumentam a conectividade para animais voadores é um grande desafio.
Existem algumas abordagens como cercas para elevação da altura do voo no momento do cruzamento, mas não sabemos muito sobre a efetividade desse tipo de iniciativa. Ainda mais no Brasil, onde temos uma diversidade imensa de espécies com distintos hábitos e características morfológicas.
Um recente estudo demonstrou que aves com maiores eficiências de voo cruzam com mais frequência uma estrada na Amazônia do que as aves com menores eficiências. Nesse trabalho, a eficiência do voo foi medida por meio de um índice que leva em consideração algumas medidas da asa do animal. A partir de dados de capturas e recapturas de aves anilhadas do Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais da Amazônia, os autores avaliaram a probabilidade de cruzamento desses animais em áreas cortadas por uma estrada estreita e de baixo fluxo de veículos. A capacidade de se mover pela paisagem é uma propriedade fundamental das espécies que pode determinar suas chances de persistência em paisagens fragmentadas e em ambientes que sofrem rápida mudança.
Além da eficiência do voo, os autores também consideraram outras características das espécies, como a massa corporal, a dieta (se insetívoros ou onívoros), o comportamento de bando (se participam regularmente de bandos mistos de aves – aqueles que agrupam diferentes espécies) e o estrato de forrageio (refere-se ao nível da floresta normalmente utilizado para se alimentar: chão da floresta, sub-bosque, entre bosque ou dossel). O estudo considerou 45 espécies que vivem no interior da floresta, excluindo as que habitam bordas florestais ou clareiras.
Os resultados mostraram que essa estreita estrada inibiu os movimentos das aves: do total de 614 movimentos registrados, apenas 116 foram cruzando a via, o que implica em uma probabilidade significativamente menor dos animais realizarem a travessia. Os autores analisaram diferentes combinações de modelos e em todas elas o resultado foi similar: apenas a eficiência do voo teve relação positiva com a probabilidade de travessia da via, ou seja, animais com asas maiores têm maior chance de cruzar a estrada. As outras características avaliadas (massa corporal, dieta, comportamento de bando e estrato de forrageio) não apresentaram efeitos significativos.
Esse trabalho sugeriu que a eficiência de voo está relacionada ao sucesso de travessia de estreitas interrupções de habitat no meio da floresta tropical, sendo nesse caso uma estrada de baixíssimo fluxo. É imprescindível que nossa compreensão sobre a maneira que as estradas afetam os animais voadores aumente e que estratégias de mitigação para restauração de conectividade sejam testadas.
Provavelmente, o padrão encontrado nesse estudo se altera ao imaginarmos estradas maiores e com maiores fluxos de veículos, já que a pressão de outros fatores também aumenta e, nesse caso, os animais precisarão melhorar as habilidades de manobra para desviar dos veículos, além de terem uma maior eficiência de voo para atravessar a estrada. Porém, além de pensarmos nos animais cruzando a estrada, precisamos também testar estratégias de redução de colisões durante as travessias!
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